Douglas Santos
Nota de abertura: esse texto já havia sido escrito por mim antes mesmo da questão da cultura política passar a ser discussão no conselho e depois no coletivo, especificamente no primeiro capítulo do livreto "Que Coletivo?" que eu estava elaborando e que deu lugar a nota política do conselho acerca da cultura política. Por isso, haverá repercussão de questões já discutidas, porém não resolvidas. Avaliei que o mais correto seria manter esses questionamentos, pois o processo de autocrítica para sua resolução ainda está em andamento e precisa ocorrer.
Obs. Esse é um texto de 23/11/2023 e estou publicando no fórum seguindo nossa intenção de socializar os debates internos do coletivo e transicionar para um espaço público.
É sabido por todos que desde os primórdios do Educação Revolucionária, tive um papel fundamental no seu desenvolvimento, tanto no trabalho teórico — que me fez conduzir boa parte de meus estudos para atender aos interesses do coletivo e de meu partido —, quanto no trabalho prático. Sempre dei meu braço a torcer pelo Educabbvcbção Revolucionária, suprindo o déficit da produção em todas as suas áreas, ao mesmo tempo que tocava suas tarefas organizativas e políticas mais gerais.
Naturalmente, ter criado o coletivo e estado adiante de todo o seu desenvolvimento me daria o acúmulo e o destaque necessário para a sua condução, que não é nada mais que responsabilidade. Dentro do coletivo, precisei assumir a responsabilidade de um “maquinista” e manter a “locomotiva” a todo vapor, o que é por si só uma tarefa longa e cansativa. Porém, sempre fui um maquinista muito peculiar, pois, além de estar “na cabine” operando e garantindo o andamento do trem, preciso, ao mesmo tempo, resolver os problemas mais peculiares de cada vagões (leia-se secretarias).
Isso, por um lado, transforma a responsabilidade em um fardo enorme, como se o meu mérito como militante e dirigente estivesse em estar submetido a tamanha sobrecarga, e não em avançar pela práxis minha secretária e o coletivo, e, por outro, revela que em todos esses meses que tentamos resolver os problemas da divisão do trabalho amadora que temos, falhamos, e, por isso, não temos uma divisão revolucionária do trabalho.
Mas sabendo que nunca fui forçado a estar aqui, porque é que me submeti e ainda me submeto a essa sobrecarga na construção do Educação Revolucionária? Afinal eu “gosto de estar nessa posição”?
Definitivamente não gosto. A realidade é que sempre acreditei e ainda acredito na capacidade do Educação Revolucionária de se profissionalizar e superar suas contradições dialeticamente, pela práxis, assim pensei que na divisão do trabalho isso não seria diferente. Abordei em tribunas e em reuniões essa questão, discutimos a meses sobre ela, também trouxe propostas para resolver esse problema. Uma breve pesquisa nos documentos do coletivo mostram que busquei durante longos meses abordar a questão da dependência em figuras e da construção de uma divisão do trabalho revolucionária e profissional:
[CITAÇÃO]“Douglas: ...Em segundo lugar, diz que o instagram atualmente não funciona sem a participação dele e que praticamente todos os últimos posts foram feitos pelo camarada, isso porque os reels, stories, social media no geral como responder os comentários e DM, posts de datas especiais e outros são sempre e somente feito pelo camarada, o que no geral mostra que o Instagram ainda não se desenvolveu — Quem dera se fosse apenas o Instagram, não é mesmo? —, mesmo sendo a “oficina de teste” para o lançamento da Estratégia de Desenvolvimento Unitário(EDU) [Ver reunião geral de Abril], nossa perspectiva hoje é outra e precisamos sempre remover a dependência em figuras, porque em particular essa dependência do Instagram no camarada é também um fardo muito grande para se carregar sozinho.” — Na proposta de EDU apresentada por mim e pela camarada Vone - 04/08/2023 reunião extraordinária do conselho. Os grifos são meus.
Nossa perspectiva, hoje, “é outra”?, é “remover a dependência em figuras”? É comum circular palavras de “divisão revolucionária do trabalho” dentro do coletivo, especialmente no conselho, mas será que esse é realmente o horizonte ideológico de nossos camaradas? Vejamos.
Constantemente sou chamado de “chefe” ou de “secretário geral” por alguns camaradas, e mesmo que sua entonação seja de brincadeira, ela carrega um significado ideológico camuflado e subjetivo, me atribuindo uma existência simbólica, a chamada semiótica, na qual só percebi quando buscava elaborar essa tribuna, ou seja, analisar a totalidade desse problema. Mas vamos analisar outras “brincadeiras” e se esforçar para entender sua subjetividade ideológica;
A camarada Rafaela, que faz parte da equipe do Instagram, sempre insistiu em apresentar suas questões e pedir a aprovação nas tarefas da equipe do Instagram para mim, ao invés de se direcionar para o secretário do instagram, o camarada Silco. Um outro camarada que já não está mais no coletivo, ao pedir para entrar na tribuna de debates, entendeu que essa plataforma me pertencia e que estava na minha alçada decidir se de fato ele poderia entrar na plataforma ou não.
Aqui se faz importante uma observação. Não estou trazendo essa questão para apresentar simplesmente a atitude desses camaradas. Novamente, esses exemplos nos servem para entendermos o real caráter desse problema, mas para isso, precisamos sair da superficialidade e entender sua totalidade. Por que é que sou visto como o “dono” desse coletivo? ...Continuemos.
Quando o camarada Neto, um membro do conselho, diz, em tom de brincadeira, que falo “da boca pra fora”(sic) sobre o excesso de tarefas que são centralizadas em mim e que gosto “de estar nessa posição”(sic), isso expressa seu interesse e preocupação de remover a dependência em figuras, de superar essa divisão do trabalho amadora, de lidar com minha sobrecarga?(1)
Me diga, camarada, quem é que gosta de estar sobrecarregado? Será mesmo que eu só poderia ser reconhecido no coletivo se fizer muito? Se fizer a ponto de ficar extremamente cansado? Eu nunca gostei de ficar sobrecarregado, nunca aceitei ou vesti a roupa de “chefe”, de “dono”, de “secretário geral” ou de qualquer outro pedestal medíocre que não me caiba, em verdade, tratei da questão por outro prisma, de que sou apenas um camarada:
[CITAÇÃO]“Por isso, o cansaço, algum problema familiar ou no trabalho, excesso de trabalho ou outras ocupações podem tirar o tempo e a energia do militante, é papel da organização construir uma estrutura que consiga lidar com esses momentos sem sobrecarregar o camarada e de modo a superar a dependência nele.” - Profissionalização do Trabalho e Disciplina Revolucionária, uma tribuna que escrevi sobre a divisão revolucionária do trabalho.
Mas afinal, sem mais enrolações, cientes que discutimos sobre essa questão a meses e que realmente dei o meu máximo para tentar fazer com que avancemos nisso, porque diabos o Educação Revolucionária ainda depende tanto de mim?
A realidade é que, no geral, secretários e membros não estão preocupados com minha sobrecarga e com essa amadora divisão do trabalho, na realidade, estão acomodados com elas, já que não precisam sentir o fardo. Digo isso porque não expressam em sua prática a preocupação que afirmam ter e, em alguns casos, advogam contra ela como expus nos capítulos seguintes(2). Obviamente, os problemas da atual divisão amadora do trabalho não me afetam unicamente e também devo desenvolver suas outras consequências nos capítulos posteriores, mas ninguém pode negar que sou eu o mais afetado. Ao menos os camaradas tiveram a modéstia de aprovar duas propostas que elaborei sobre esse problema:
[CITAÇÃO] “Douglas: …Falou que se continuar como organizador geral, na forma que está agora, não vai conseguir continuar no coletivo…” — Então proponho o encaminhamento que foi aprovado por consenso: — “que o cargo de “organizador geral” seja agora um organizador/conselheiro da organização política do coletivo.” - Pauta V: Profissionalização e avanço na divisão do trabalho, Ata: Reunião geral de Agosto (02/09/2023)
e:
[CITAÇÃO] “A proposta consiste em cada conselheiro convidar algum colaborador de sua escolha e aprovado por unanimidade em conselho para se tornar aprendiz do conselho, esse aprendiz vai realizar as tarefas do organizador de uma área junto a ele, aprender toda a dinâmica de um conselheiro. A finalidade é superar a curto prazo a dependência em figuras, de modo a não bloquear nossas atividades caso um conselheiro tenha que se afastar, mas também para permitir que os camaradas conselheiros possam descansar com férias, tirar afastamentos necessários.” — na Proposta Aprendiz de Conselho, levada para a reunião geral de setembro.
Evidentemente, a primeira proposta é seguida de um desabafo claro, tentei propor algo puramente simbólico, formal, na esperança de que a noção sobre a carga de trabalho que tenho no coletivo seja considerada, mas também para que os secretários parassem de delegar tarefas de suas áreas para mim, como acontece até hoje com a secretaria do Instagram, por exemplo. Já a segunda proposta não pode ser efetivada por diversos motivos compreensíveis(3), por isso, tratarei apenas do primeiro encaminhamento.
Entretanto, ao que me parece, os camaradas do conselho assumiram uma noção estranha sobre esse encaminhamento, preferiram se limitar à mudança formal dessa nomenclatura. Com isso, todas as vezes em que eu realizei um novo desabafo sobre a sobrecarga estrutural que carrego, soltam belas palavras de ordem contra essa sobrecarga. É como sentir o cheiro de uma bela rosa, porém de uma rosa que já foi cortada da roseira e logo apodrecerá, levando consigo esse odor.
O que quero dizer com isso? A resposta que o conselho conseguiu dar sobre minha sobrecarga e sobre a atual divisão amadora do trabalho em todo esses meses foram simplesmente respostas idealistas. Vamos ver um exemplo.
Uma ocasião em que acabei sendo rude pelas emoções foi na última reunião extraordinária do conselho de novembro, essa foi uma de minhas últimas tentativas de convencer nossos secretários sobre esses problemas. Num dado momento da reunião, estávamos falando da necessidade dos manuais de formação prática e como vamos produzir os que faltam e de maior importância, pois é esse entrave que está impedindo os novos membros de atuarem. Coloquei a questão de que fiz todos os últimos manuais gravados, já que na maioria dos casos era o único com acúmulo para gravá-los. A resposta que tive do camarada Neto, foi a seguinte:
“Você não deve fazer pois não é dessa área, mas secretário de organização”. Aqui, acredito que fui rude com o camarada tentando fazer questionamentos francos, “ora bolas, então quem vai fazer? e se é papel da secretária de formação, porque não estão feitos? Afinal, o camarada tem acúmulo para elaborar esses manuais?”, como ele bem sabe, minha intenção não era ser arrogante, mas expor o fato de que constatar isso nessa reunião e irmos dormir com um encaminhamento de “Não é da sua área, não faz” não traria solução alguma para o problema, na realidade, só serviria para fazê-lo dormir com a sensação de “missão cumprida”, enquanto que ainda não teríamos manuais e não avançariamos nessa questão. Ao menos essa reunião foi um choque de realidade, mas também fez brotar boas concepções desse problema que agora precisamos lidar com ainda mais forças.
Todos sabem do meu completo entusiasmo laboral com o Educação Revolucionária, no lugar de empurrar coisas que de fato não quero pela barriga, escolho tomar as devidas decisões, e foi com esse princípio que abandonei o estudo para o vestibular nesse ano, para poder apenas trabalhar e deixar o resto do meu tempo para a militância e para nosso coletivo. Por isso, entrarei um ano mais tarde na universidade, dei mais um ano de minha vida para a construção desse coletivo e não me arrependo disso.
Mas se devo ser honesto, tenho que dizer que sinto que esse entusiasmo está jorrando para o ralo, o que mais sinto nesse momento frente ao coletivo é cansaço e frustração(4). Cansado e frustrado de ter que mais uma vez e de maneira ainda maior tentar trazer essa discussão de volta ao coletivo. Frustrado do conselho haver ignorado completamente os dois desabafos que realizei depois de nossa reunião acerca desse mesmo problema, motivo pelo qual escolhi tratar disso em tribuna.
Camaradas, membros e secretários, como é possível que o conselho do coletivo tenha passado todos esses meses por diversas reuniões onde abordamos essa questão e não conseguimos avançar em nada nela? Vocês realmente estão preocupados com esse problema? Quanto tempo eu não estou suplicando ao conselho para acelerar processos, para discutir outros, e onde estão esses acúmulos? Os resultados?
Não esperava que meus esforços para com o coletivo viesse a se tornar comodidade para alguns, meses se passam e eu ainda sou aquele que não pode se afastar, que não pode descansar, que tem que suprir as demandas que ficaram etc, etc. Que coletivo pode existir se os principais problemas são personalizados e resolvidos por apenas um camarada? Como podemos se pensar uma organização revolucionária sem a divisão revolucionária do trabalho? Sem a crítica e a autocrítica? (5)
A dois meses tento alertar a todos que meu tempo dentro do coletivo será encurtado e não poderei seguir com a mesma dinâmica atual, não poderei mais lidar com a sobrecarga. É muito irônico ter que falar isso, é como se eu devesse explicações para não ter que mais assumir essa posição, sendo que na realidade essa é mais uma tentativa de tentar alertar sobre os problemas do amadorismo na divisão do trabalho. Acontece que ano que vem me programei para começar os estudos para o vestibular com cursinho, e somado com um possível emprego que virá, nem que eu quisesse poderia priorizar o coletivo como faço.
Camaradas secretários, Vone, Silco, Neto, Jhonny e Cézar. Se de fato se solidarizam com o outro, se de fato não são individualistas e farão de conta que está tudo bem, vocês precisam na prática se preocuparem com a questão, elaborar propostas, cumprirem com disciplina suas tarefas, não pestanejar enquanto a isso. Abandonem a posição vacilante que estão tendo frente a esse problema, o conselho precisa realizar a maior autocrítica, na prática, como um processo longo e necessário.
Poderia apelar para a solidariedade com os meus esforços para convencê-los da seriedade política do que fazemos aqui, e por mais que acredito que muitos camaradas demonstram na prática essa solidariedade com sua disciplina, não creio que essa seja a maneira correta. Quero tentar mais uma vez convence-los pelo significado político do coletivo, pela sua história, pelos seus objetivos políticos, pela capacidade de se imaginar e construir uma utopia possível.
Por fim, fica a questão para a reflexão: O coletivo irá desfalecer se eu sair? O que isso mostra sobre a atual divisão do trabalho no coletivo? Com certeza muita coisa.
Saudações Marxistas-Leninistas,
Camarada Douglas. 23/11/2023
Notas:
(1) Reforço o que foi dito na nota de abertura, já apresentei essa questão no conselho e o camarada buscou refletir sobre. Estamos caminhando para um processo de autocrítica e entender a representação ideológica que tenho para nossos secretários e para todos a partir desse tipo de postura é fundamental.
(2) Falava sobre as questões da cultura política, as atitudes que nos forçavam a continuar com essa amadora divisão do trabalho.
(3) Simplesmente pela falta camaradas com disposição e tempo para entrarem nessa formação de dirigente. No entanto, consegui iniciar a formação para secretaria de organização da camarada Yasmin, ex-militante do coletivo, mas que com certeza marcou a história do coletivo com diversas contribuições para o seu desenvolvimento.
(4) Por mais que ainda me sinto cansado, creio que minha frustração sobre o coletivo — que não era somente por esse problema —, tenha passado. Eu não estava esperando que as coisas se desenvolvessem como se desenvolveram, a reunião geral de novembro me surpreendeu, pois por uma ansiedade pesada, eu estava imaginando o pior dos cenários e o colocando como o mais provável. Todo esse processo só me serviu para acreditar na reconstrução revolucionária do coletivo, aonde superaremos todos esses problemas e avançaremos com uma base muito mais forte, inabalável.
(5) É nesses momentos que até eu imagino que só posso ter escrito esse texto após a crise ter sido instaurada, mas, por mais que ele pareça uma previsão do que estourou, realmente foi escrito dias antes disso tudo.