"Se o PCB-CC não era mais o instrumento da classe trabalhadora rumo à revolução por conta do dirigismo e diversos problemas ali presentes, não vejo como o PCB-RR tem se proposto a ser, da forma que caminhamos até agora."
Lia Machado
04/01/2024
Camaradas,
Finalmente trago a minha contribuição para a tribuna de debates. Infelizmente, em um formato que eu não esperava.
Para aquelus que não me conhecem, eu sou a Lia, agora ex-militante e ex-secretária política do núcleo da UJC em São José dos Campos.
Antes de qualquer coisa, gostaria de deixar uma crítica à plataforma Em Defesa do Comunismo. Encaminhei minha tribuna para eles no dia 29 de dezembro de 2023 e hoje, dia 4 de janeiro de 2024, recebi uma resposta da plataforma, dizendo que não publicariam minha tribuna, “com base na deliberação anteriormente publicizada acerca dos limites da liberdade de crítica em face a chamados aberto a cisão, boicote ou evasão”, isso foi encaminhado para mim por e-mail, com um trecho da recente nota do CNP: “Evidentemente, não faria sentido exigir de um órgão de imprensa de um partido que veicule materiais propondo a cisão do partido, ou convidando à saída do partido. É preciso publicar toda contribuição que pretenda modificar uma situação em nossa organização por meio do convencimento. Não faz sentido publicar uma peça cuja premissa seja a impossibilidade do convencimento, o esgotamento das esperanças na mudança da situação por meio da agitação e da luta política, e que portanto apenas registre o chamado o boicote ou à evasão.”.
Gostaria de saber em que parte da minha tribuna, eu incitei e convidei camaradas a se desligarem ou boicotei de qualquer forma a organização do partido com esta tribuna. Pra mim, o boicote está sendo feito por meio do que cito na minha tribuna e, também, pelas instâncias dirigentes apartando a militância de base de diálogos, debates e pautas, fazendo reuniões a torto e a direito de portas fechadas e impedindo tribunas de serem publicadas, tribunas essas feitas a fim de alimentar o debate e críticas sobre o que tem sido feito e falado até aqui. Essa história já vimos, presenciamos e participamos antes, né? Por isso, estamos aqui. Convido os camaradas do CNP a se pronunciarem novamente.
Enfim, seguindo. Diante de tantas formulações para a tribuna e debates entre a militância de base, em tempos de reconstrução revolucionária, muito se fala sobre os problemas que herdamos e herdaremos do PCB-CC e, nesta contribuição, gostaria de focar em alguns que entendo serem os pilares de todos os outros que es camaradas enfrentarão na construção dessa nova organização, trazendo também sobre a minha experiência no período em que compus as fileiras da UJC.
Antes de iniciar, acho importante frisar que esta tribuna já estava sendo escrita desde o final de setembro e, agora, somente adicionei algumas situações que se desenrolaram e acirraram minhas divergências com a RR, e reformulei para ser uma carta de desligamento.
1. Dos problemas que enfrentamos no Vale do Paraíba
Há alguns meses, tenho enfrentado divergências na construção da RR. Coisas que já eram perceptíveis e pautadas, porém na RR, seguimos com a falta de compromisso para solucionar estas questões.
Comecei a perceber a seletividade que nos ronda, junto de uma incapacidade de atender as necessidades da nossa classe. Nunca vou esquecer quando um militante, homem cis branco e hetero, teve risco iminente de perder o emprego e houve uma mobilização do complexo partidário em São José dos Campos para ajudar este militante. O mesmo não ocorreu com um camarada, proletarizado e não-branco, que, de fato, perdeu o emprego. No Vale do Paraíba, também tivemos o caso onde uma mulher foi ameaçada ao dizer que iria colocar uma crítica à um militante, também homem cis branco e hetero. Entre essas, diversas outras contradições claras no respeito, formação e tratamento para com camaradas de grupos minoritários.
A partir de uma crítica colocada por mim ao secretário político da célula de São José dos Campos e membro do CRP-SP, onde eu formulei sobre desvios e problemas como: atropelos à juventude, problemas comunicativos, desvio às críticas e acúmulo de tarefas, ficou claro não só como a crítica era acertada, principalmente sobre o desvio de crítica e autocrítica, como também escancarou diversas problemáticas na dinâmica do complexo partidário em São José dos Campos e no Vale do Paraíba.
Como eu já previa, houve uma defensiva exagerada e interpretação da crítica como ataque pessoal e também uma movimentação de boa parte da militância da célula em São José dos Campos para defender o militante e rebater a crítica, mas não de maneira fraterna. Se a crítica não era correta ou algo do gênero, existem meios para se debater sobre isso e, com certeza, não era com uma resposta onde estava garantido o tom de ironia à cada frase; justificativas como: “estamos em processo de reorganização”; uma lista descabida de mulheres com reconhecimento revolucionário internacional numa tentativa de invalidar meu conhecimento sobre a conjuntura no complexo partidário em que eu militava, e muito menos cabia comentários inadequados e piadas no grupo da célula. Por fim, colocar um processo de crítica como “baixaria“ me parece minimamente anti-marxista, mas não esperava muito de um militante que me chamou da palavra que tem quatro letras e começa com P e depravada, por ser não-monogâmica.
Diante de tudo isso, surgiram tarefas importantes que trabalhamos em conjunto, uma delas foi a vigília no Banhado, bairro que é alvo da especulação imobiliária e prefeitura fascista de São José dos Campos.
Durante essa tarefa, ficou ainda mais evidente que os problemas comunicativos não eram por si só, mas vinham acompanhados de acúmulos de funções, desconfiança na militância de base e abuso de poder. Boa parte da militância da UJC se mobilizou e esteve presente nos dias de vigília, inclusive eu e um camarada que estava em dupla militância e era secretário de organização da célula do partido em SJC. Ainda que haja desconfiança sobre isso, mantivemos a militância centralizada e, por conta de um erro de comunicação com a associação de moradores, o secretário político da célula achou que era de bom tom me ligar e gritar comigo e com es camaradas que estavam presentes no momento. Existem meios e meios para centralizar um camarada e aumento de tom de voz e uso de palavras de baixo calão não é um desses.
A convocação de reuniões em momentos inapropriados se fez presente também, inclusive durante a tarefa de vigília citada anteriormente. Uma reunião sem pauta definida e sem um convite claro de que o núcleo da UJC deveria estar presente foi convocada, reunião chamada entre a célula para falar sobre desvios e discordâncias com UM camarada específico. O primeiro momento desta reunião durou 1h30, onde foram feitas críticas e um balanço de outra atividade que tivemos no início do mês de dezembro, enquanto no Banhado, havia risco iminente da invasão da Polícia Militar e es militantes destacades para a vigília não estariam lá. Durante o momento de pausa da reunião, tomei ciência de que estava ocorrendo uma assembleia da associação de moradores do Banhado, apresentei a situação posta para toda a militância do núcleo da UJC, e, em conjunto, tomamos a decisão de nos retirar daquela reunião para presenciar a assembleia, que chegamos quase no fim e solicitamos um repasse para um militante que estava lá. Após isso, seguimos com a vigília e contato com es moradores presentes.
No outro dia, houve uma outra assembleia, onde militantes da UJC e do PCB-RR estiveram presentes. No fim, o secretário político da célula e membro do CRP-SP assediou moralmente es militantes presentes, interrompendo um debate sobre repasse das perspectivas tiradas daquela assembleia de moradores que levaríamos para o restante do núcleo, com perguntas feitas de maneira invasiva e impositiva se “o núcleo seria ou não centralizado pelo CR”, porque se sim, éramos obrigados a nos juntar com a célula. Com isso posto, es militantes presentes decidiram que deveríamos colocar para a votação se continuaríamos atuando em conjunto com a célula na vigília, visto que nossos problemas estavam se acirrando e estava se tornando inviável a continuação da atuação conjunta, com tudo o que estávamos passando.
2. Da omissão do CRP-SP perante a estas questões
Em todos os casos que foram citados, sempre tivemos membros do CRP-SP cientes das situações. Hoje, sinceramente, acredito que sejam coniventes com tudo isso, até pelas distorções feitas pelo secretariado do CRP-SP.
Sempre tentei manter a assistência do núcleo informada sobre as situações e problemas que estávamos tendo. Essa bola de neve foi criada, principalmente, pela omissão do CRP-SP e até conivência de militantes específicos, como o próprio secretário político do CRP-SP que esteve presente em algumas reuniões e, inclusive, presenciou o momento em que, durante a reunião convocada na tarefa de vigília, o secretário político da célula de SJC gritou novamente comigo e alguns camaradas.
Para além disso, há um mês, solicitei que fosse aberto um PD para o militante que me xingou por ser não-monogâmica, por esse e outros desvios que o militante tem. O PD foi aberto somente na semana passada e este militante ainda não foi afastado. Enquanto isso, um outro camarada foi afastado também por um PD, em que o secretário político da célula de SJC pressionou a militância local a votar a favor. Novamente, volto a mencionar sobre a seletividade que existe nas fileiras desta organização e como não nos movimentamos atualmente para combatê-la. Conforme as situações foram se desenrolando, ficou cada vez mais perceptível a forma com que o coleguismo também age na organização e fez com que se criasse militantes intocáveis e “incentralizáveis”, militantes que adquiriram uma confiança tão grande uns nos outros que ignoraram as demandas e pedidos de ajuda de um núcleo inteiro e de pessoas que estavam sendo afetadas diretamente por esta situação lamentável.
Diante de ataques machistas e, até mesmo, etaristas, o silêncio do CR, perante a mim - enquanto mulher - e o núcleo da UJC em SJC, deixa claro como nossa organização não se propõe a cortar estes problemas pelas raízes.
Quando se trata de vida interna, nossas instâncias dirigentes NÃO se preocupam com a formação de quadros de militantes que são de minorias sociais e, muito menos, em criar um espaço saudável para acolhimento, escuta e debate das contribuições e vivências que estes militantes trazem em sua jornada. Quando camaradas de grupos minoritários pautam um debate, o desprezo e o deboche se fazem presentes, até mesmo dentro de seus próprios organismos de base, como foi aqui em São José dos Campos. Tem me impressionado, cada vez mais, perceber como as instâncias dirigentes (no meu caso, o CRP-SP), muitas vezes, estão cientes, mas por algum motivo, escolhem continuar omissas e acabam se tornando coniventes às opressões, ao fecharem os olhos para situações, como esta. Ficou evidente a normalização de posturas misóginas, elitistas, racistas, LGBTfóbicas para com militantes de base que manifestem discordâncias da linha política predominante em algum momento, principalmente vindo da própria militância de base local e validada pelos membros do CRP-SP, a partir do silêncio e falta de centralização.
Somente depois da tarefa de vigília do Banhado, que o secretário político da célula e seus aliados começaram a conspirar sobre uma possível ”formação de tendência anarquista” que o CRP-SP se movimentou para se reunir e debater, porém essa foi uma reunião feita à portas fechadas, sem a presença da real militância de base dos organismos para expor as situações e debater sobre nossos problemas e divergências, porque já não se tratava mais somente dos ataques etaristas que a célula estava fazendo, né? Onde esteve essa preocupação toda quando foram apontados diversos desvios, inclusive exposição de assuntos internos, quando o secretário político da célula de SJC e membro do CRP-SP convocava um aproximado para reuniões e dava direito a fala e voto, por exemplo?
Bom, camaradas, estas são algumas situações que se desenrolaram no complexo partidário e o CRP-SP nesse último período. No início da semana do dia 25 de dezembro, eu me desliguei junto de mais três camaradas. Após os nossos desligamentos, se iniciaram ameaças de perseguições políticas e mentiras inventadas sobre nós. Formularam e conspiraram ainda mais sobre esta “formação de tendência anarquista”, mentiram que durante a tarefa de vigília do Banhado, estávamos usando um aplicativo de conversas que deixava codificado o nome das pessoas, disseram que somos subordinados de um cara machista e agressor daqui da cidade, nessa tal tendência anarquista. Enfim, diversos xingamentos e mentiras inventadas por aqueles que se dizem, além de camaradas, marxistas-leninistas.
Quando uma camarada voltou de viagem, fomos buscá-la na rodoviária e isso virou motivo também de conspiração, inclusive, foi a confirmação usada para validar essa tal formação de tendência. Houve tempo e disposição de sobra para se formular mil e uma teorias, para atacar a militância da UJC e acusar camaradas de muitas coisas, mas não houve tempo e disposição para se convocar uma reunião e dialogar com estes camaradas de maneira fraterna sobre os desvios percebidos e conflitos internos. Não me impressiona ver como alguns militantes aderiram sem pensar duas vezes às teorias colocadas pelo secretário político da célula e outros membros do secretariado, uma vez que é comum que o próprio secretário político faça uma boca de urna com todos os militantes antes de um debate e decisão, justamente para que seja conivente para ele. Um exemplo disso foi a I Plenária Estadual da RR, onde alguns camaradas admitiram que estavam votando de acordo somente com o que ele votava, sem quaisquer questionamentos. Bom, se é verdade que formamos uma tendência, como se dizia em tempos de racha: se há uma fração, é porque há outra.
Falando por mim, a decisão de desligamento foi tomada por entender, principalmente, que os problemas que estávamos tendo não seriam solucionados por uma plenária com o CR e a militância local. Parafraseando uma parte da tribuna ‘Carta de desligamento do PCB-RR-RS’: estes problemas são muito mais profundos do que qualquer reunião, congresso e instâncias podem resolver. Acredito que diante de tudo que está posto, fica nítido que nossos problemas vem principalmente do dirigismo, oportunismo e coleguismo herdados do velho PCB. Desde o racha, nada nos garantiu e garante que os comunistas que lutam pela reconstrução revolucionária tivessem uma postura drasticamente diferente, mas atualmente vemos que sequer estamos tentando. É fato que problemas assim podem estar presentes em qualquer partido e não temos como nos isentar disso, mas, enquanto marxistas-leninistas, não vejo como podemos continuar apenas aceitando, principalmente quando, nacionalmente, militantes de base têm formulado sobre estas e tantas outras questões, que tornam a militância adoecedora e que, a cada dia que passa, faz com que se perca grandes quadros das fileiras desta organização. Vemos em diversas tribunas, camaradas levantando essas questões para o PCB-RR, estando todes abatides por uma ruína emocional e psicológica, por conta de todas as práticas predatórias e opressivas dentro do complexo partidário, principalmente para com a UJC.
Na tribuna ‘Sobre vida interna e desligamentos’, o camarada Vinícius bem pontua sobre a cultura que estamos de olhar para diversos problemas e dizer: “ainda estamos nos reorganizando”.
E se gostamos tanto de falar de “vícios pequeno-burgueses”, ficar empurrando debates e soluções com a barriga é o que torna essa organização cada vez mais branca e pequeno-burguesa, sem qualquer laço e vínculo com a classe que nos propomos a conquistar, sem o senso de urgência que a classe trabalhadora e marginalizada necessita.
Em tempos de reorganização e congresso, aqui e agora é o lugar e momento de se propôr a olhar para estes problemas, entrar em processo profundo de crítica e autocrítica, e se dedicar inteiramente à formular soluções.
Para es camaradas que desejam um partido realmente competente e formativo, será necessário lutar ativa e criticamente contra a omissão, coleguismo, personalismo, oportunismo e opressões de modo geral que ocorrem consciente ou inconscientemente, que estão cravados nesta organização e martirizam a nossa militância, especialmente a marginalizada, caso contrário, não percam tempo, não valerá a pena estar compondo as fileiras de qualquer organização que se tenha como marxista-leninista.
Se o PCB-CC não era mais o instrumento da classe trabalhadora rumo à revolução por conta do dirigismo e diversos problemas ali presentes, não vejo como o PCB-RR tem se proposto a ser, da forma que caminhamos até agora. Diante de todos os acontecimentos no complexo partidário em todo o país, desligamento de diverses camaradas por motivos parecidos, o boicote à tribunas que denunciam diversas situações, entre outras questões, fica nítido que estamos caminhando para qualquer coisa, menos para a reconstrução revolucionária do movimento comunista brasileiro.
Por fim, camaradas, quero dizer que já está saindo por aí e, após a publicação dessa tribuna, imagino que terá ainda mais versões distorcidas e reducionistas sobre a minha saída e de outres camaradas, nesse sentido, me coloco à disposição para conversar e dialogar sobre isso, tudo que eu disse aqui, temos como provar e refutar as distorções. Caso baste o que venham a ler e ouvir, tudo bem também.
Após alguns anos de militância, há seis meses atrás, entrei para as fileiras da UJC. Hoje, saio com a tranquilidade de ter feito tudo que pude, entre erros e acertos, mas com o tormento de ter me sacrificado tanto e não ter priorizado, por exemplo, a minha saúde física e mental. Enfim, ainda que de maneira breve, essa escolha me trouxe experiências, aprendizados, trocas, amizades e laços de camaradagem que não troco por nada nesse mundo e levarei para sempre comigo, espero que o meu desligamento não ponha fim a tudo isso. A escolha de ser recrutada pela UJC me tornou a militante que sou hoje para tomar a decisão de me desligar, de maneira consciente. E fazendo coro às falas de outres camaradas em suas tribunas: antes de qualquer organização, sou comunista e nossos princípios estão me tirando deste lugar. Novamente, reforço que estou à disposição de todes que queiram conversar, seja sobre a situação que expus aqui ou sobre suas próprias angústias e questões.
Venceremos!
Essa mina é comédia demais kkkkkkkkkkk
"Para es camaradas que desejam um partido realmente competente e formativo, será necessário lutar ativa e criticamente contra a omissão, coleguismo, personalismo, oportunismo e opressões de modo geral que ocorrem consciente ou inconscientemente, que estão cravados nesta organização e martirizam a nossa militância, especialmente a marginalizada, caso contrário, não percam tempo, não valerá a pena estar compondo as fileiras de qualquer organização que se tenha como marxista-leninista." mt bom p reflexao