Lucas Pacheco
15/01/2024
O que é um ponto preto nas trincheiras do Exército Vermelho?
UM ANARQUISTA!
Saudações camaradas!
Apresento a minha contribuição para a Tribuna de Debates, não da maneira, nem com os assuntos que antes imaginava e escrevia, mas com relatos sobre a minha participação nas fileiras da nossa organização, entendo que trazer esses assuntos ao debate é necessário para que a Reconstrução não seja uma reforma.
No momento atual, estou esperando o desenrolar para responder a um Processo Disciplinar, minha intenção com essa contribuição não é, de forma alguma, uma tentativa de defesa.
O título que me foi dado pelos camaradas que estão me acusando foi abraçado por mim de maneira irônica e provocativa, o “Anarquista” tem sido meu vulgo, o partido minha realidade e a revolução o meu norte.
Essa é a primeira de uma série de tribunas que publicarei, aqui terá uma breve apresentação, desenrolar e conclusão do primeiro assunto.
Comecei minha militância com 17 anos, em uma chapa secundarista, fomos derrotados, daí decidi me interessar bastante por questões políticas em geral.
Sem a menor noção de marxismo, eu me obriguei a ler tudo que eu via na minha frente, histórias de revoluções e insurreições foi o que me fez querer entrar de cabeça nesse mundo.
No ano seguinte, conheci algumas pessoas e entrei oficialmente para o MPL (Movimento Passe Livre), em São José dos Campos, que luta pela tarifa zero. Em geral, os que compunham o núcleo eram anarquistas, esse foi o meu primeiro contato com uma ideologia de maneira direta, a ponto de me intitular anarquista após ler os dois volumes de “A hóstia do Anarquismo”, as táticas e narrativas de libertação eram o que me moviam. Participei da organização de diversos atos contra a tarifa em São José dos Campos, me formei como militante, organizei e agitei, essa fase durou três anos.
Mas, antes do fim do MPL em SJC, depois de organizar e ver manifestações gigantes, confrontos quase que semanais com a polícia em SP/SJC, analisando todo o contexto que estava inserido e acompanhando os movimentos de insurreição no Chile e Rojova, eu cheguei a conclusão de que a violência é a principal arma neste jogo, tanto do lado do estado, quanto da classe, foi uma virada de chave na minha cabeça.
Incitar, provocar e causar violência contra a burguesia e o estado foi o meu norte no final de 2014 pra frente, eu me alimentava de conteúdo sobre criação de bombas caseiras, matérias de autodefesa e explosivos capazes de destruir agências inteiras, estudar e elaborar táticas, traduzir manuais de guerrilha, toda essa fase de estudos, preparação e intenção violenta levou a tomadas de ações isoladas de primeiro momento, agi de maneira despretensiosa politicamente várias vezes, até me sentir seguro em assumir esses atos de vandalismo como uma ação política e reivindicá-las com um manifesto.
Após uma pausa na militância, por motivos pessoais, me aprofundei no marxismo-leninismo, e no final de 2022, ingressei para as fileiras do, até então, PCB.
Minha primeira quebra do Centralismo Democrático.
Existem muitas formas de se colocar numa posição de fronte, tanto política quanto tática, demonstrar meus conhecimentos e tentar espaço para ações diretas em uma das cidades mais reacionárias do país foi o meu karma.
Meu recrutamento aconteceu há um ano atrás, no início, acreditava que seguir piamente o centralismo democrático, quase como uma religião, era o caminho mais viável para tornar o PCB-RR (antes apenas PCB) na principal força de luta de São José dos Campos, isso até começar a apresentar propostas, e pontos de vista diferentes dos demais camaradas, principalmente SecPol e SecForm eram contrários às teses e propostas que eu apresentava, isso, pelo menos no começo, alimentava o debate, sempre foi algo respeitoso e tranquilo de conversar, até começar as tensões, que, antes das minhas propostas de ação direta, já causavam um desconforto e um clima pesado na célula.
Minha atuação, de forma mais presente e “impactante”, se deu em agosto, por um erro na linha política e tática adotado pelo secretariado da célula em uma ação no Banhado, que, como explicado na tribuna da camarada Lia, é um bairro alvo da especulação imobiliária e prefeitura fascista de São José dos Campos. Bairro esse, cujo tenho relações próximas com as lideranças e boa parte dos moradores.
No dia em si, estava em São Paulo (capital) à trabalho, por volta das 5 horas da manhã recebi uma mensagem de uma liderança do Banhado, que me pedia pra descer na favela, ajudar e “dar uma força”, pois a prefeitura tinha mandado alguns caminhões recolherem os materiais recicláveis de uma parte dos moradores.
Minha primeira atitude foi enviar mensagem para o secretário político da célula informando e pedindo que fosse até lá. E assim foi feito, o SecPol e mais alguns camaradas desceram na comunidade para dar apoio.
Após todos os problemas acontecidos pela manhã, a associação de moradores pôs em votação no grupo de moradores no whatsapp, uma proposta de ato, determinando local e horários a serem votados. Foi aprovado então o horário das 16 horas, com concentração na quadra do Banhado.
Em paralelo a toda organização de tal ato, a oposição da chapa vitoriosa nas eleições do bairro, se mobilizou, contactou apoiadores e organizou por fora, o mesmo ato, rachando a unidade dos moradores da favela, enfraquecendo e colocando em risco as famílias que participaram do ato.
Mesmo sabendo da eleição e vitória da Chapa 1, a posição do SecPol da célula foi de se alinhar a Elaine e Cosme (principais representantes da Chapa 2, derrotada na eleição). A posição da associação era clara, se reunirem na quadra e subir junto com os moradores para o ato. Quebrando as orientações e o voto dos moradores, o SecPol reuniu a militância da célula, e, após uma ligação com a Elaine, levou a força partidária para frente do Banhado. Elaine, ao saber da chegada da célula, rachou a unidade de moradores e subiu pro asfalto com a palavra de ordem: “Os apoiadores estão nos esperando”.
Essa atitude custou caro para a relação entre a célula e o Banhado, além do despreparo no ato, tentativa de protagonismo como a de um camarada de Pindamonhangaba, que, após puxar o escudo de um policial, recebeu uma cacetada na testa, se transformando em uma piada interna na favela, com direito a figurinha de whatsapp.
Para além da parte engraçada dessa história, o risco de uma reação policial naquele momento era real, com crianças, idosos e gestantes em um ato rachado, incitar os policiais não parecia uma boa ideia, e isso pesou no balanço feito pelo Banhado.
No dia seguinte, já em São José, uma das lideranças do Banhado me convidou pra ir na casa dele, segundo o mesmo precisa ter uma “conversa séria comigo”. Como meu amigo pessoal, ele expôs todo o problema que as atitudes da célula causaram, e toda a visão que o Banhado estava tendo do partido que eu fazia parte. Me aconselhou a colher relatos dos moradores, para que, por conta própria, visse e ouvisse todos os questionamentos e apontamentos, e assim o fiz.
“Eu nem sei quem chamou esse pessoal, causaram o caos na favela, colocaram todo mundo em risco, no dia seguinte a polícia desceu aqui, bateu na casa de vários moradores, inclusive na minha casa, perguntando se eu tinha organizado a manifestação, esse bando de playboy se acham revolucionários, mas colocaram geral em risco e a polícia tá descendo aqui por causa deles. Um dos policiais que veio na minha casa disse que nós não precisamos desses boys, que eles não reprimiram ontem porque sabiam que eles eram de fora e não iam nos pôr em risco, pediu para não se envolver com essa gente, porque eles só querem mídia, e no dia seguinte é nós que se fode com a polícia aqui embaixo” (relato de uma moradora, comerciante que teve a polícia na porta de casa no dia seguinte).
Minha atitude imediata, após ouvir e colher os relatos, foi informar no grupo da célula a necessidade de repassar essas informações, no entanto, a resposta que eu obtive foi que a célula já havia discutido em balanço, e uma nova movimentação tinha sido votada e aprovada. Foi um balanço e uma jogada imediatista, com a desculpa de que a linha política do Banhado era dirigida pelo PSOL, e que a vitória da Chapa 1 impediria a atuação da célula no Banhado, ao invés de reconhecer o erro e fazer uma autocrítica, o SecPol disse ter sido “usado” por representantes da Chapa 2, a qual ele chamou de “oportunista”. Se eximir da culpa, apontar o “real” culpado e focar a atuação da célula para uma quebrada onde, foi definido pelos representantes, que, não há espaço para discurso político, foi uma solução, no mínimo, questionável.
Fiquei dias descendo no Banhado e conversando com os moradores, toda vez que me viam falavam sobre o ocorrido, e o quão desastroso foi a atuação dos, segundo os moradores, “playboys comunistas”. Fiz o intermédio e convencimento de todes que comigo conversaram, tentei argumentar que o partido sempre vai estar do nosso lado, e que eu apontei o erro e está sendo discutido sobre, até mesmo propus para alguns moradores uma reunião, mesmo que informal, para reatar esse laço, mas depois da resposta que eu obtive do SecPol, ficou nítido a falta de vontade em ter uma boa relação com uma ocupação centenária e uma das lutas mais importantes da cidade; “Viramos nossa força para a favela Santa Cruz”, esse foi o pedido de desculpas oficial do partido para com os moradores.
Esse episódio causou a minha primeira quebra do, até então, intocável centralismo democrático, comecei a atuar por conta própria como mediador, tentando convencer o Renato, Davi e boa parte dos moradores a reatar a relação, ou no máximo, não desconsiderar a nossa atuação lá dentro.
Modéstia à parte, camaradas, fui bem sucedido. Após algumas semanas de muitas conversas, representantes da associação de moradores começaram a olhar para o partido como uma força de apoio novamente, sempre com um pé atrás e desconfiança, mas tranquilos com a minha presença e de outros camaradas. Isso fica comprovado com a nossa inserção e atuação em algumas atividades, e na mais recente tentativa de remoção dos moradores do Banhado.
Eu tinha plena ciência de que não repassar essa mediação para o secretariado e a célula era passível de processo disciplinar, mas assim o fiz, dado a falta de interesse da célula para com a ocupação. Arrependimento é uma palavra que não cabe nesse contexto, de “playboys Comunistas” para “apoiadores do Banhado”, considero um bom balanço, responderia esse PD com a cabeça erguida e a convicção de que a contribuição não será anulada pela minha provável expulsão.
Como dito pelo próprio secPol de São José dos Campos: “nossa relação com o Banhado está muito bem agora”.
Apresentei em reunião extraordinária para o SecPol e toda a célula que fiz essa mediação e que nossa relação, de fato, se manteve consideravelmente por conta dessa ação isolada, eu esperava uma centralização e um entendimento de que o partido tinha em mãos um militante que tem relações pessoais com a associação e que isso abre um precedente enorme para a entrada e atuação de forma mais ampla do partido dentro da comunidade, essa era a minha intenção, mas após o balanço, o apontamento de que “isso não foi uma atitude coletiva, camarada” invalidou todo o trabalho e esforço. A relação com o Banhado foi restaurada, fotos e vídeos firmam essa relação nas redes sociais, e as acusações e adjetivos dirigidos a minha pessoa começaram a ser mais presentes e pontuais, mas isso é história pra próxima parte.
Que a base seja a vanguarda dessa nova fase, que o personalismo e carreirismo herdados pelo antigo PCB não ofusque, roube ou apague o brilho no olhar de quem rachou com um partido centenário por uma Reconstrução Revolucionária e uma revolução brasileira.
Esse mlk aí saiu queimado do Banhado, ele e a turminha dele. O mais engraçado é se pintar de santo nessa nota kkkkkk todo errado, não serve pra ser militante comunista.