É sempre refrescante ler Marx, Engels - mas não só, Lenin, Stalin, Mao, Che, Mariátegui, entre outros pensadores socialistas renegados pelo ethos ocidental. Nós fomos muito marcados por uma mistura de Trotsky com qualquer coisa que a "nova esquerda" produziu lá pela metade dos anos 50/60.
Enquanto esse pensamento materialista, prático e até mesmo "duro" ficou distante, se tornou algo relegado ao oriente depois dos Urais. O orientalismo aqui tem seu papel, mas também o imaginário que criamos da vida dura na Rússia, na disciplina de ferro que sempre nos soou mecânica e naquela disciplina oriental chinesa praticamente incompreensível para os ocidentais.
Não é como se a gente nunca tivesse tido disciplina. Ela sempre surgiu como uma face da repressão, ainda mais com a crítica vinda da filosofia anarquista, com o pensamento estadunidense, com o trotskismo e com a "nova esquerda". Se a crítica da religião já não bastasse para criar esse fantasma, a crítica da repressão, uma tentativa de lutar contra ela, a transformou em real. Aquela noção de que disciplina é parte de uma melhoria de espírito, parte da construção de uma ordem social, se perdeu aqui do nosso lado. Até porque ser disciplinado no ocidente sempre significou se auto-castigar.
Era fácil para os russos compreenderam isso, mais fácil ainda para os chineses, impossível para os alemães que desviaram o partido social-democrata alemão. O ocidente e seus problemas com liberdade, apesar de nunca ter sido muito afeito da mesma. Eles lá, depois dos Urais, sempre compreenderam que era necessário essa hierarquia, essa disciplina, ainda que isso sacrificasse parte do que o que aqui chamamos de forma difusa de "individualidade".
É interessante como todo movimento socialista no ocidente aspira ser tão revolucionário quanto a União Soviética, ao mesmo tempo que mal é capaz de encher uma sala com militantes.
Esse espírito idealista dos nossos comunistas certamente demonstra o seu distanciamento, pelo menos de parte da militância, em relação à necessidade da revolução. Existe uma certa urgência, um amanhã que não irá existir sem a construção do socialismo, que não aparece na maioria dos nossos militantes.
Isso é exatamente o que não é compreendido. Marx certamente não enfatizou o suficiente que o capitalismo é uma espécie de buraco negro, uma máquina devoradora de mundos, uma operação matemática infinita e que ela pouco se interessa na integridade da humanidade no seu processo de expansão infinita, que podemos chamar de lucro.
Mas aqui, o comunismo é em grande parte meramente um sonho distante. Ainda é um espectro que ronda a Europa, mas que cobre ainda mais a América (continente) como um todo. O socialismo ainda é aquela coisa que todo dia os departamentos de segurança ocidentais, a própria direita, os reformistas e mesmo os trotskistas e anarquistas, mantém constante vigia contra.
"Aí de existir um partido bolchevique ou maioista", eles dizem e complementam" graças a Deus, são um ou dois militantes doidos sem poder algum". Se comemora o Brasil não-socialista, se festeja todo dia que um partido perde um militante e aqui falo tanto de desistir de ser um militante, como da própria morte.
"A grande salvação" do PT foram seus rachas e sua transformação em um partido burguês, sem isso ele iria se radicalizar além do reformismo. O medo do socialismo faz com que seu afastamento seja visto com bons olhos. É interessante como a morte de Marielle a deixa congelada em um momento de atuação política intensa, mas a gente sabe bem que se ela tivesse a chance, assim como Boulos e Freixo (os maiores nomes do PSOL na época), teria se "reformado".
A sua morte a congelou em um momento em que ela poderia construir um socialismo. Me vem à cabeça a imagem de Marielle olhando para cima, de cabeça erguida, olhando para um horizonte distante. A imagem nos faz lembrar das obras de arte produzidas no socialismo real, onde quem tem esse olhar são os trabalhadores que constroem aquele lugar e pela primeira vez, podem pensar em um horizonte.
A direita neoliberal, os fascistas, a "nova esquerda", os trotskistas e anarquistas, gostando ou não, contribuíram muito para a morte do socialismo no ocidente, todos tiveram uma parte razoável na sua morte.
Ainda sim, eles veem que é necessário todo dia combater o socialismo. Especialmente, esse que respira o ar depois dos Urais. É preciso perguntar para eles, quanto tempo nosso Jesus pobre aguenta ser humilhado, morto, pisado, difamado, estuprado, esfomeado. Sempre crucificado, nunca salvo.
É importante dizer que nem sempre o trabalhador (essa figura de difícil encontro devido ao grande desemprego) é organizado. Quer dizer, nem sempre ele sequer se considera trabalhador. Quer dizer, muitas vezes ele sequer tem visões políticas simpáticas ao socialismo. Quer dizer, ele é muitas vezes parte da reprodução do fascismo.
O neoliberalismo destrói a sociedade. Os substitui por empresários, associados, sócios e investidores. Nesse mundo, apesar de sua incapacidade de se compreender, ainda é necessário contratar trabalhadores para fazer o mundo funcionar. (Vou dar um exemplo, se não tem ninguém para manter a rede de energia, seja a integridade dos cabos e postes, como a geração de energia, ela simplesmente não funciona.)
Quem em grande parte tem acesso a esse resto de emprego ? O homem branco, bem educado e de classe alta. Não há mais classe média. Ou se é miserável, ou se é pobre. A questão é que os partidos miram em um trabalhador do século XIX e acertam num fascista dos anos 30.
O que sobrou de trabalhador é um grupo de pessoas na área comercial e de serviços, que não se enxerga como parte da classe trabalhadora. Ainda há a polêmica tosca, se trabalho intelectual é trabalho. Isso vem mais de uma dificuldade de compreensão da natureza do trabalho imaterial, do que um "erro de Marx". Até porque ele falou sobre (leia o fragmento das máquinas). Isso, de qualquer forma, é suficiente para convencer essas pessoas que não precisam se organizar politicamente.
É muito triste o Galo, um sindicalista dos trabalhadores de aplicativo, literalmente ter de lidar com pessoas tão reacionárias, como em grande parte é esse pseudo-empresário que vai trabalhar de escravo para multinacional estrangeira nesses aplicativos.
O pobre se acha melhor que o miserável. Mas o pobre trabalha como escravo, e por ser escravo, se acredita superior ao que não consegue sequer um emprego na sociedade. O reacionarismo, alimentado em grande parte dos esforços contra o socialismo, tanto da esquerda ocidental quanto dos liberais neoliberais, faz ressurgir o fascismo com força.
O nosso ragnarok, o nosso sol negro da meia-noite, é o inferno que temos de enfrentar. Não foi um inferno construído pelo capital, aqui ele é pouco culpado. Nesse tempo todo, o capitalismo seguiu sendo o capitalismo, nós que não o enfrentamos diretamente. É literalmente um caso de “fomentei o anticomunismo, não recebi a democracia que sonhei e fiz o fascismo crescer”.
Sempre com "novas ideias", "novas alternativas", "novas conciliações", tudo para fugir da luta que há de vir. Aqui nesse caso, se foge de Engels, Lenin, Stalin, Che e Mao.
Com a desculpa de que a luta seria sangrenta demais, mas sem enxergar que a guerra contra nós já está sendo travada. Todos os anos, mais de milhões de pessoas morrem, não por conta do socialismo, mas do próprio capitalismo.
O sol negro só irá se por no dia que o sol vermelho subir aos céus.