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Álvaro Cunhal: “Formas legais e ilegais de Organização e de Luta”

Atualizado: 10 de fev. de 2023

Álvaro Cunhal

1974

 

As apreciações negativas acerca das lutas reivindicativas dos trabalhadores, do aproveitamento dos Sindicatos Nacionais e outras organizações legais, da luta no terreno «eleitoral» fascista, e, de uma maneira geral, do aproveitamento de todas as possibilidades legais e semilegais de organização e ação, têm as suas raízes em posições e sentimentos típicos da pequena burguesia radical: no efetivo desdém pela ação da classe operária e das massas populares e na recusa a aceitar o seu papel nas transformações revolucionárias; e na impaciência aliada à incapacidade de ação, donde lhe vem a febre de chegar ao fim diretamente, menosprezando as formas «inferiores» de luta e um trabalho revolucionário eventualmente prolongado.


O desprezo pelas formas legais e semilegais de organização e de ação e a absolutização das formas ilegais, «revolucionárias», «violentas» (que o radicalismo pequeno-burguês «apregoa» há muitos anos, mas que até hoje foi incapaz de levar à prática), traduzem também uma profunda ignorância das experiências do trabalho de organização e de massas nas condições da ditadura fascista, designadamente da associação das formas legais e ilegais de organização e ação.


Nas condições da ditadura fascista, se a ação revolucionária se não pode desenvolver sem fortes organizações clandestinas, sem uma constante, corajosa e complexa atividade clandestina, tão-pouco se pode desenvolver, se não são aproveitadas largamente, constantemente, com tenacidade e audácia, todas as formas de organização e de ação legais e semilegais (por muito limitadas e contingentes que sejam) indispensáveis para estabelecer os laços da vanguarda com as massas, para organizar e mobilizar as massas para a luta, para educar as massas na experiência viva da sua própria atividade, para alcançar vitórias parciais indispensáveis ao prosseguimento do processo revolucionário.

Mais ainda. Qualquer organização clandestina que despreze as formas de organização e ação legais e semilegais fica «assente no ar» e é rapidamente destroçada. Toda a experiência o comprova.


Nas condições do fascismo, sem uma forte organização clandestina, sem imprensa clandestina, sem quadros clandestinos, jamais se poderia ou poderá desenvolver a ação revolucionária e conduzir o povo português à insurreição. A vanguarda revolucionária só na clandestinidade se pode organizar e agir. Só inocentes podem acreditar que se trata de mais uma «descoberta» recente do radicalismo pequeno-burguês. De todas as classes sociais em luta contra a ditadura dos monopólios e dos latifundiários e o seu regime de repressão e de terror, só o proletariado, com o seu espírito de organização, a sua consciência política, a combatividade e heroísmo dos seus quadros, foi capaz de criar e forjar na clandestinidade a sua vanguarda, o Partido Comunista Português, e fazer dessa vanguarda a única força revolucionária organizada existente em Portugal.


Todos os outros setores políticos limitam a sua atividade quase exclusivamente ao aproveitamento de possibilidades legais. Não falamos apenas da ASP cujo dirigente M. Soares declarou um dia: «Sou um homem da legalidade, sempre agi na legalidade e não penso que possa agir noutra esfera.» Falamos de todos os setores políticos da pequena e da média burguesia pois (salvo episódicos ensaios) nenhum conseguiu até hoje formar um partido clandestino.


Enquanto a pequena burguesia radical, apesar de toda a sua exaltação verbal, não passou ainda dos métodos «artesanais» de organização e ação, a classe operária forjou, ao longo de dezenas de anos de luta, de trabalho, de abnegação, um forte partido revolucionário. Milhares de militantes. Muitas centenas de quadros com larga experiência e cujas baixas são incessantemente preenchidas pelas «reservas inesgotáveis» do proletariado. Uma direção temperada nas mais duras provas e assegurando, através delas, a continuidade do trabalho diretivo. Um núcleo numeroso de revolucionários profissionais, vivendo e lutando na clandestinidade. Uma imprensa clandestina feita e editada em Portugal e publicando-se sem interrupções há cerca de 30 anos. Uma organização nacional, nas fábricas, nas empresas, nos portos, nas escolas, saindo vencedora dos mais violentos golpes de repressão. E uma ação política constante, à frente da classe operária e das massas populares. Só quem finja ignorar a atividade do PCP pode afirmar que «toda a ação política desenvolvida em Portugal se integra no quadro das leis fascistas» (M. Sertório, A Ilusão Legalista)! Pese aos detratores, o partido revolucionário da classe operária portuguesa é uma realidade e uma realidade única na situação política nacional.


A organização e a ação clandestinas do PCP constituem um fator determinante, não apenas da luta da classe operária, mas de toda a luta antifascista. Sem a organização e a ação clandestinas do PCP, o movimento democrático não teria hoje ante si qualquer perspectiva revolucionária. Estas palavras não traduzem qualquer pretensão de «monopolizar» a ação revolucionária. Não são uma frase de propaganda, mas o reconhecimento de uma situação de fato. Se mudar a situação, mudaremos as palavras.


O PCP não se teria porém tornado nas condições de clandestinidade o forte partido revolucionário que é, não teria resistido às constantes ofensivas da repressão, não teria renovado constantemente os seus quadros e efetivos, não teria ganho profundas raízes na classe operária, na população laboriosa, na juventude, nos intelectuais, não teria podido dirigir a luta da classe operária e das massas populares ao longo dos anos, se à atividade clandestina não tivesse sempre associado as formas de organização e ação legais e semilegais. Se o não tivesse feito, teria tido a sorte de tantas e goradas tentativas de organização e atividade clandestinas de grupos do radicalismo pequeno-burguês: uma breve tentativa, uma breve aparição, o fracasso, o desaparecimento. Nas condições atuais da ditadura fascista, uma organização revolucionária não pode viver, desenvolver-se, dirigir as massas populares, se se fecha na concha da sua atividade clandestina, se não cria e não aproveita as mais variadas formas de organização e ação legais e semilegais.


A experiência não é nova nem especificamente portuguesa. Falando dos anos de reação de 1908-1914, Lênin sublinhava que «os bolcheviques não teriam podido conservar (já nem digo: fortalecer, desenvolver, reforçar) o sólido núcleo do Partido revolucionário do proletariado se não tivessem sabido manter, ao preço de uma áspera luta, a obrigação de combinar as formas ilegais com as formas legais» (O. C., ed. fr., v. 31, p. 30). Foi essa a experiência dos bolcheviques. É a experiência do movimento comunista e operário internacional. É a experiência do PCP.


Curioso! O único Partido que tem uma organização revolucionária clandestina, o único que conduz diariamente uma atividade abertamente revolucionária, defende as formas legais e semilegais de organização e ação. Atacam estas precisamente aqueles que nem têm organização revolucionária nem desenvolvem qualquer ação revolucionária. A diferença não é apenas de concepções. É a diferença que existe entre um partido revolucionário que conhece por longa experiência as condições necessárias para a sua defesa e reforço clandestinos e para a sua ligação com as massas, e radicais pequeno-burgueses que sem organização nem responsabilidades não ganham nem perdem com o que dizem, pois pretendem apenas justificar o título de «revolucionários» pelo palavreado que empregam.

A associação das formas legais e ilegais de organização e atividade continua a ser indispensável, essencial para o reforço da vanguarda revolucionária e da organização clandestina, para a ligação da vanguarda com as massas, para a ampla participação das massas na luta, para a formação de militantes, para preparar as condições para as decisivas batalhas que conduzirão ao derrubamento da ditadura fascista.




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