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A Questão da Estratégia e da Tática dos Comunistas Russos

J. V. Stálin

14 de Março de 1923

O artigo de Stálin A questão da estratégia e da tática dos comunistas russos foi publicado a 14 de março de 1923, no nº 56 da Pravda, dedicado ao 2º aniversario da fundação do Partido Comunista (bolchevique) da Rússia, nos nºs. 57, 58 e 59, de 14, 15 e 16 de março de 1923, do jornal Petrogradskaia Pravda («A Verdade de Petrogrado») e no nº 7 (46) de 1º de abril ae 1923 da revista Kommunistitcheskaia Revolutsia («A Revolução Comunista»). Mais tarde, sob o título de A Revolução de Outubro e a estratégia dos comunistas russos publicou-se um resumo desse artigo no livro: Stálin, Sobre a Revolução de Outubro, Moscou, 1932,

 

Para o presente artigo tomei como base as conferências sobre a Estratégia e a Tática dos Comunistas Russos, que pronunciei no círculo operário do bairro de Presnaia e na fração comunista da Universidade de Sverdlov. Resolvi publicá-lo, não só porque me acho no dever de ir ao encontro dos desejos dos camaradas do Círculo Presnaia e da Universidade de Sverdlov[N56], mas também porque o artigo não me parece destituído de utilidade para a nova geração de militantes do nosso Partido. Creio necessário, contudo, fazer a ressalva de que este artigo não tem a pretensão de oferecer nada de substancialmente novo a respeito do que muitas vezes escreveram na imprensa russa do Partido os nossos camaradas dirigentes. Ele deve ser considerado como uma exposição sucinta e esquemática das ideias principais do camarada Lênin.


I - Conceitos preliminares


1. Dois aspectos do movimento operário

A estratégia política, assim como a tática, ocupa-se do movimento operário. Mas no próprio movimento operário encontramos dois elementos: o elemento objetivo, ou espontâneo, e o elemento subjetivo, ou consciente. O elemento objetivo, espontâneo, é formado pelo conjunto de processos que se desenvolvem independentemente da vontade consciente e reguladora do proletariado. O desenvolvimento econômico do país, o desenvolvimento do capitalismo, o desmoronamento do velho regime, os movimentos espontâneos do proletariado e das classes que o rodeiam, os choques de classes etc. são, todos, fenômenos cujo desenvolvimento não depende da vontade do proletariado: representam o aspecto objetivo do movimento. A estratégia não pode intervir nesses processos, uma vez que não pode suprimi-los como ponto de partida. Esse é o campo que constitui objeto de estudo para a teoria e o programa do marxismo. Mas o desenvolvimento tem, além disso, um aspecto subjetivo, consciente. O aspecto subjetivo do movimento é o reflexo, na mente dos operários, dos processos espontâneos do movimento, é o movimento consciente e sistemático do proletariado para um objetivo determinado. Esse aspecto do movimento interessa-nos precisamente porque, ao contrário do aspecto objetivo, depende inteiramente da ação que orienta a estratégia e a tática. Se a estratégia não pode mudar coisa alguma no curso dos processos objetivos do movimento, já aqui, no aspecto subjetivo ou consciente do movimento, o campo de aplicação da estratégia é vasto e multiforme, uma vez que ela, a estratégia, pode acelerar ou conter o movimento, dirigi-lo pelo caminho mais curto, ou desviá-lo pelo caminho mais difícil e penoso, segundo as virtudes ou as deficiências da própria estratégia. Acelerar ou conter o movimento, favorecê-lo ou embaraçá-lo: eis os limites e o campo de aplicação da estratégia e da tática políticas.


2. A teoria e o programa do marxismo

A estratégia, como tal, não se ocupa em estudar os processos objetivos do movimento. Não obstante, deve conhecê-lo e levá-lo em consideração, de um modo justo, se não quer cometer erros mais crassos e funestos na direção do movimento. É antes de tudo a teoria marxista e, logo em seguida, o programa marxista que estudam os processos objetivos do movimento. A estratégia, pois, deve apoiar-se inteiramente nos dados da teoria e do programa do marxismo. A teoria marxista, ao estudar os processos objetivos do capitalismo no seu desenvolvimento e declínio, chega à conclusão de que a queda da burguesia e a conquista do poder pelo proletariado são inevitáveis, de que é inevitável a substituição do capitalismo pelo socialismo. A estratégia proletária só se pode chamar efetivamente marxista quando essa conclusão fundamental da teoria marxista se torna a base de sua atividade. O programa marxista, baseando-se nos dados fornecidos pela teoria, determina os objetivos do movimento proletário, que são cientificamente formulados nos seus artigos. O programa pode ser válido para todo o período do desenvolvimento capitalista e ter como objetivo a derrubada do capitalismo e a organização da produção socialista, ou apenas para uma fase determinada do desenvolvimento capitalista, por exemplo, a eliminação do regim


e feudal-absolutista e a criação das condições do livre desenvolvimento do capitalismo. Por conseguinte, o programa pode constituir-se de duas partes: programa máximo e programa mínimo. É óbvio que a estratégia prevista para a parte mínima do programa não pode deixar de diferir da estratégia prevista para a parte máxima; e a estratégia só se pode chamar efetivamente marxista, se a sua atividade se orienta de acordo com os objetivos do movimento, formulados no programa marxista.


3. A estratégia

A tarefa mais importante da estratégia consiste em determinar qual a direção principal que deve seguir o movimento da classe operária, qual a direção que oferece maiores vantagens ao proletariado para vibrar o golpe principal contra o adversário, a fim de alcançar os objetivos fixados no programa. O plano estratégico é o plano da organização do golpe decisivo, na direção em que esse golpe possa produzir os resultados máximos com a máxima rapidez. Os traços essenciais da estratégia política poderiam ser dados, sem muito esforço, recorrendo-se à analogia com a estratégia militar, por exemplo, no período da guerra civil, durante a luta contra Deníkin. Todos se lembram dos últimos meses de 1919, quando Deníkin se encontrava às portas de Tula. Realizavam-se, então, entre os militares, interessantes discussões sobre o seguinte problema: onde se deveria desferir o golpe decisivo contra as tropas de Deníkin? Alguns militares propunham que se escolhesse como direção principal da ofensiva a linha Tsaritsin-Novorossisk. Outros, pelo contrário, propunham que se desferisse o golpe decisivo pela linha Voronezh-Rostov, a fim de que, percorrendo essa linha e dividindo assim o exército de Deníkin em duas partes, fosse possível aniquilá-las em separado. O primeiro plano tinha, indubitavelmente o seu lado positivo, no sentido de que, contando com a ocupação de Novorossisk, ficaria automaticamente cortada a retirada das tropas de Deníkin. Mas, por um lado era desvantajoso, porque pressupunha o nosso avanço através de zonas (como a região do Don) hostis ao Poder Soviético e comportava, por conseguinte, grandes perdas; por outro lado, era perigoso, porque deixava aberto às tropas de Deníkin o caminho de Moscou, através de Tula e Serpukhov. A concepção do golpe principal contida no segundo plano era a única justa, porque de um lado previa o avanço do nosso núcleo principal por algumas regiões (como a província de Voronezh e a bacia do Donetz), onde a população nutria simpatia pelo Poder Soviético, e, portanto, não implicava grandes perdas; por outro lado, desbaratava as operações do núcleo principal das tropas de Deníkin, que marchavam sobre Moscou. A maioria dos militares pronunciou-se pelo segundo plano e, assim, decidiu-se a sorte na guerra contra Deníkin. Por outras palavras: determinar a direção do golpe principal significa decidir de antemão o caráter das operações para todo o período da guerra. Significa, por conseguinte, decidir de antemão nas suas nove décimas partes a sorte de toda a guerra. Esta é a missão da estratégia. O mesmo se deve dizer da estratégia política. O primeiro choque sério entre os dirigentes políticos do proletariado da Rússia sobre o problema da direção principal do movimento proletário ocorreu no começo do século, durante a guerra russo-japonesa. Como se sabe, uma parte do nosso Partido (os mencheviques) sustentava nessa altura que o movimento do proletariado, na sua luta contra o czarismo, devia orientar-se, sobretudo, para a formação de um bloco do proletariado com a burguesia liberal; os camponeses, como importantíssimo fator revolucionário, eram excluídos ou quase excluídos do plano, enquanto à burguesia liberal se confiava o papel dirigente no movimento geral das forças revolucionárias. A outra parte do nosso Partido (os bolcheviques) afirmava, pelo contrário, que se devia orientar para a formação de um bloco do proletariado com os camponeses, confiando-se ao proletariado o papel dirigente do movimento revolucionário geral, enquanto a burguesia liberal devia ser neutralizada. Se, por analogia com a guerra contra Deníkin, representássemos todo o nosso movimento revolucionário, desde os princípios do século até a revolução de fevereiro de 1917, contra uma guerra dos operários e camponeses contra o czarismo e contra os latifundiários, é claro que da adoção de um determinado plano estratégico (menchevique ou bolchevique), da adoção de uma determinada orientação principal do movimento revolucionário, dependia em grande parte a sorte do czarismo e dos latifundiários.

Como durante a guerra contra Deníkin a estratégia militar, indicando a direção principal do golpe, pode determinar em nove décimos o caráter de todas as operações ulteriores até a liquidação de Deníkin, assim também aqui, no campo de luta revolucionária contra o czarismo, a nossa estratégia política, tendo indicado a direção principal do movimento revolucionário de acordo com o plano bolchevique, determinou, por isso mesmo, o caráter do plano do nosso partido para todo o período da luta aberta contra o czarismo, desde a época da guerra russo–japonesa até a revolução de fevereiro de 1917.


A estratégia política tem, sobretudo, a missão de determinar, de um modo justo, a direção principal do movimento proletário de um dado país para um determinado período histórico, partindo dos dados da teoria e do programa marxista e levando em conta as experiências da luta revolucionária dos operários de todos os países.


4. A Tática

A tática é uma parte da estratégia à qual se subordina e à qual serve. A tática não se ocupa da guerra no seu todo, mas dos seus diferentes episódios, das batalhas, dos combatentes. Se a estratégia visa a vencer a guerra ou levar a termo, por exemplo, a luta contra o czarismo, a tática, pelo contrário, visa a ganhar várias batalhas, determinados combates, realizar com êxito esta ou aquela campanha, estas ou aquelas ações mais ou menos correspondentes à situação concreta da luta em cada momento dado. A missão mais importante da tática consiste em determinar os caminhos e os meios, as formas e os métodos de luta, que correspondam do melhor modo à situação concreta existente em determinado momento e que preparem de modo mais seguro os êxitos estratégicos. Por isso, as ações e os resultados da tática devem ser avaliados não em si mesmos, não do ponto de vista do seu efeito imediato, mas do ponto de vista das tarefas e das possibilidades da estratégia. Existem situações em que os êxitos táticos facilitam a realização das tarefas estratégicas. Assim ocorreu, por exemplo, na frente contra Deníkin em fins de 1918, quando as nossas tropas libertaram Oriol e Voronezh, quando os êxitos obtidos pela nossa cavalaria do setor de Voronezh e pela infantaria, no setor de Oriol, criaram as condições favoráveis para vibrar o golpe sobre Rostov. Assim ocorreu em agosto de 1917, na Rússia, quando a passagem dos sovietes de Petrogrado e de Moscou para o lado dos bolcheviques criou uma nova situação política, que facilitou, depois, o golpe desferido pelo nosso Partido no mês de outubro. Existem também situações em que os êxitos táticos brilhantes pelos seus efeitos imediatos, mas não proporcionais às possibilidades estratégicas, criam uma situação “imprevista”, funesta para toda a campanha. Assim ocorreu com Deníkin em fins de 1919, quando, empolgado pelo êxito fácil de um avanço rápido e sensacional sobre Moscou, distendeu a sua frente do Volga ao Dniéper e desse modo preparou a derrota dos seus exércitos. Assim ocorreu em 1920, durante a guerra contra os poloneses, quando nós, subestimando a força que tinha o fator nacional na Polônia e empolgados pelo êxito fácil de um avanço espetacular, empreendemos a tarefa, superior às nossas forças, de irromper na Europa através de Varsóvia e levantamos contra as tropas soviéticas a enorme maioria da população polonesa, criando desse modo uma situação que anulava os êxitos obtidos pelas tropas soviéticas no setor de Minsk e Zhitômir e minava o prestígio do Poder Soviético no Ocidente. Existem, enfim, outras situações em que é necessário desdenhar o êxito tático e enfrentar conscientemente reveses e derrotas táticas para assegurar vitórias estratégicas no futuro. Assim ocorre frequentemente na guerra, quando uma das partes beligerantes, ao querer salvar os quadros do próprio exército e subtraí-los aos golpes das forças superiores do inimigo, inicia uma retirada metódica e cede, sem combate, cidades e regiões inteiras com o objetivo de ganhar tempo e concentrar as forças para travar novas batalhas decisivas no futuro. Assim ocorreu na Rússia, em 1918, durante a ofensiva alemã, quando o nosso Partido foi obrigado a aceitar a paz de Brest-Litovsk – que no momento oferecia uma grande vantagem do ponto de vista do efeito político imediato – para conservar a aliança com os camponeses sedentos de paz, para obter uma trégua, para constituir um novo exército e assegurar, desse modo, futuras vitórias estratégicas. Em outras palavras: a tática não pode ficar subordinada aos interesses transitórios do momento, não deve inspirar-se em considerações de efeito político imediato e, com maior razão ainda, não deve afastar-se da realidade, nem constituir castelos no ar: a tática deve ser elaborada de modo a corresponder às tarefas e às possibilidades da estratégia.

A tática tem, sobretudo, a missão de determinar as formas e os métodos de luta que melhor correspondam à situação concreta da luta em cada momento dado, orientando-se segundo as indicações da estratégia e tendo em conta a experiência da luta revolucionária dos operários de todos os países.


5. As Formas de Luta

Os métodos de fazer a guerra e as formas da guerra não são sempre os mesmos: mudam, segundo as condições de desenvolvimento e, sobretudo, do desenvolvimento da produção. Nos tempos de Gêngis Khan, a guerra não se fazia do mesmo modo que nos tempos de Napoleão III e, no século XX, a guerra faz-se de modo diverso do século XIX. A arte da guerra, nas condições atuais, uma vez assimiladas todas as formas de guerra e todas as conquistas da ciência nesse campo, consiste em saber aproveitá-las racionalmente, em saber combiná-las com habilidade e em saber aplicar, no momento oportuno, essa ou aquela forma, segundo a situação existente.


O mesmo se deve dizer das formas de luta no campo político. As formas de luta no campo político são ainda mais variadas do que as formas de fazer guerra. Mudam em função do desenvolvimento econômico social e cultural, conforme a situação das classes, a correlação das forças em luta, caráter do Poder, de acordo, enfim, com as relações internacionais etc. A forma de luta ilegal, sob o absolutismo, liga-se às greves parciais e às manifestações operárias; a forma de luta aberta quando existem as “possibilidades legais” e as greves políticas das massas operárias; a forma de luta parlamentar, por exemplo, na Duma, e a ação extraparlamentar das massas, que às vezes desemboca em insurreições armadas; finalmente, as formas de luta estatais, depois da tomada do Poder pelo proletariado, quando este tem a possibilidade de dominar todos os meios e recursos estatais, inclusive o exército: tais são, em linhas gerais, as formas de luta surgidas da prática da luta revolucionária do proletariado.


O Partido tem a missão de assimilar todas as formas de luta, de combiná-las racionalmente no campo de batalha e de saber aguçar habilmente a luta nas formas que, numa determinada situação, sejam as mais adequadas ao objetivo.


6. As Formas de Organização

As formas de organização dos exércitos, as espécies e os tipos das forças adaptam-se, geralmente, às formas e aos métodos de fazer a guerra. Mudam ao modificarem-se estes últimos. Na guerra de manobras, o emprego em massa da cavalaria resolveu com freqüência a situação. Na guerra de posições, pelo contrário, a cavalaria quase não tem função nenhuma, ou tem importância secundária: a artilharia pesada e a força aérea, os gases e os tanques decidem tudo. A arte militar tem a missão de assegurar-se de todos os tipos de forças, de aperfeiçoá-las e de saber combinar com habilidade as suas operações. O mesmo se pode dizer das formas de organização no campo político. Aqui, como no campo militar, as formas de organização adaptam-se às formas de luta. As organizações clandestinas dos revolucionários profissionais, na época do absolutismo; as organizações culturais, sindicais, cooperativas e parlamentares (a fração parlamentar etc.) na época da Duma, os comitês de greve, os sovietes de deputados operários e soldados, os comitês militares revolucionários e um amplo partido proletário que ligue todas essas formas de organização no período das ações de massas e das insurreições; finalmente, a organização estatal do proletariado no período em que o poder se concentra nas mãos da classe operária: tais são, em linhas gerais, as formas de organização nas quais, em determinadas condições, o proletariado pode e deve apoiar-se na sua luta contra a burguesia. O Partido tem a tarefa de assimilar todas essas formas de organização, de aperfeiçoá-las e de combinar inteligentemente a sua atividade em cada momento dado.


7. A Palavra de Ordem. A Diretiva

As decisões formuladas com acerto, que reflitam os objetivos da guerra ou de uma determinada batalha e que conquistem popularidade entre as tropas, têm as vezes uma importância decisiva na frente, como meio para animar o exército para a luta, para manter o seu moral etc. As ordens, as palavras de ordem e os apelos apropriados às tropas têm para todo o curso da guerra importância tão grande quanto uma excelente artilharia pesada ou os velozes tanques de primeira classe.

As palavras de ordem têm uma importância ainda maior, no campo político, onde se tem de lidar com centenas e centenas de milhões de homens, com as suas várias reivindicações e com as suas várias necessidades. A palavra de ordem é a formulação sucinta e clara dos objetivos imediatos e distantes da luta, lançada, por exemplo, pelo grupo dirigente do proletariado, pelo seu Partido. Existem palavras de ordem diversas, que variam segundo os objetivos da luta, palavras de ordem que abrangem todo um período histórico, ou diversas fases e episódios de um determinado período histórico. A palavra de ordem de “Abaixo a autocracia”, que o grupo “Emancipação do Trabalho[N57] lançou pela primeira vez, no decênio de 1880-1890, era uma palavra de ordem de propaganda, porque tinha por objetivo ganhar para o Partido, individualmente e em grupos, os combatentes mais firmes e intrépidos. No período da guerra Russo-Japonesa, quando a instabilidade da autocracia se tornou mais ou menos evidente às grandes massas da classe operária, essa palavra de ordem transformou-se em palavra de ordem de agitação, porque já se propunha ganhar massas de milhões de trabalhadores. No período que precedeu a revolução de fevereiro de 1917, quando czarismo já estava definitivamente desacreditado aos olhos das massas, a palavra de ordem de “Abaixo a autocracia” transformou-se de palavra de ordem de agitação em palavra de ordem de ação, porque o seu objetivo era mobilizar massas de milhões de trabalhadores para o assalto contra o czarismo. Durante as jornadas da revolução de fevereiro, essa palavra de ordem transformou-se em diretriz do Partido, isto é num apelo aberto à conquista, dentro de um prazo fixado, de certas instituições e de certas posições do sistema czarista, posto que se tratava de derrubar o czarismo, de destruí-lo. A diretriz é um apelo direto do Partido à ação em momento e lugar determinados, obrigatório para todos os membros do partido e habitualmente secundado pelas grandes massas trabalhadoras, se o apelo formula de modo justo, exato, as reivindicações das massas, se é verdadeiramente oportuno. Confundir a palavra de ordem com as diretrizes ou a palavra de ordem de agitação com a palavra de ordem de ação é tão perigoso quanto são perigosas, e às vezes até funestas, as ações prematuras ou tardias. Em abril de 1917, a palavra de ordem de “Todo o Poder aos Sovietes” era uma palavra de ordem de agitação. A célebre manifestação de Petrogrado, em abril de 1917, com a palavra de ordem “Todo o Poder aos Sovietes”, demonstração que se realizou em torno do Palácio de Inverno, foi uma tentativa, uma tentativa prematura e por isso desastrosa, de transformar essa palavra de ordem em palavra de ordem de ação.[N58] Esse foi um perigosíssimo exemplo de confusão da palavra de ordem de agitação com a palavra de ordem de ação. Teve razão o Partido ao condenar os promotores daquela manifestação, pois sabia que ainda não existiam as condições indispensáveis para transformar essa palavra de ordem em palavra de ordem de ação, que uma ação prematura do proletariado poderia conduzir o desbaratamento das suas forças. Existem, por outro lado, casos em que o Partido se vê na contingência de retirar ou modificar “em 24 horas” uma palavra de ordem (ou uma diretriz) já aprovada e que era oportuna, para salvar suas fileiras de uma emboscada preparada pelo inimigo, ou para adiar temporariamente a aplicação de uma diretriz até momento mais propício. Um caso dessa espécie ocorreu em Petrogrado, em junho de 1917, quando a manifestação de operários e soldados, meticulosamente preparada e fixada para 9 de junho, foi “inesperadamente” suspensa pelo C.C. do nosso Partido, em face da mudança operada na situação. A tarefa do nosso Partido consiste em transformar hábil e oportunamente as palavras de ordem de agitação em palavras de ordem de ação, ou as palavras de ordem de ação em diretrizes precisas e concretas, ou, se o exige a situação, dar prova da flexibilidade e decisão indispensáveis para suspender a tempo a aplicação de determinadas palavras de ordem, mesmo que sejam oportunas.


II - O Plano Estratégico


1. As reviravoltas históricas. Os planos estratégicos

A estratégia do Partido não é algo permanente, dado uma vez por todas. Muda segundo as reviravoltas históricas, as modificações históricas. Essas mudanças se exprimem no fato de que para toda reviravolta histórica se elabora um plano estratégico correspondente, válido para todo o período que medeia entre uma reviravolta e outra. O plano estratégico determina a direção do golpe principal que as forças revolucionárias devem desferir e contém o esquema da correspondente distribuição das massas de milhões de homens na frente da luta social. Naturalmente, um plano estratégico válido para um determinado período histórico, que tenha particularidades próprias, não pode ser válido para outro período histórico, que tenha particularidades inteiramente diversas. A cada reviravolta histórica corresponde um plano estratégico, indispensável e ajustado às suas tarefas. O mesmo pode dizer-se da arte militar. O plano estratégico elaborado para a guerra contra Koltchak não podia servir para a guerra contra Deníkin, guerra que exigia um novo plano estratégico, o qual, por sua vez, não podia ser utilizado, por exemplo, para a guerra de 1920 contra os poloneses, de vez que tanto as diretrizes dos golpes principais como o plano de distribuição das principais forças combatentes não podiam deixar de ser diferentes em cada um dos três casos. A história moderna da Rússia registra três reviravoltas históricas principais, que deram origem a três diferentes planos estratégicos na história do nosso Partido. Consideramos necessário apresentá-los resumidamente, para ilustrar como mudam, em geral, os planos estratégicos do Partido em função das novas modificações históricas.


2. A primeira reviravolta histórica. O período da revolução democrático-burguesa na Rússia

Essa reviravolta teve início nos primeiros anos do século, no período da guerra russo-japonesa, quando a derrota dos exércitos do tsar e as grandiosas greves políticas dos operários russos puseram em movimento todas as classes da população, levando-as à arena da luta política. Essa reviravolta terminou com as jornadas da Revolução de Fevereiro de 1917. Nesse período, dois planos estratégicos entraram em conflito, no nosso Partido: o plano dos mencheviques (PlekhanovMartov, 1905) e o plano dos bolcheviques (o camarada Lênin, 1905). A estratégia menchevique previa, no seu plano, que o golpe principal contra o tsarismo deveria seguir a linha da coalizão da burguesia liberal com o proletariado. Esse plano, partindo da premissa de que a revolução era, então, burguesa, confiava à burguesia liberal a função hegemônica (a direção) do movimento e condenava o proletariado ao papel de "oposição da extrema esquerda", ao papel de "impulsionador" da burguesia, sendo que os camponeses eram excluídos ou quase excluídos do quadro das forças principais da revolução. Não é difícil compreender que esse plano, excluindo do jogo das forças, num pais como a Rússia, uma massa de muitos milhões de camponeses, era irremediavelmente utópico e, depositando a sorte da revolução nas mãos da burguesia liberal (hegemonia da burguesia) era reacionário, porque a burguesia liberai não tinha interesse numa vitória completa da revolução e estava sempre disposta a encerrar a partida com uma transação com o tsarismo. A estratégia bolchevique (v. Duas táticas,[N59] do camarada Lênin) previa no seu plano que a revolução deveria desferir o golpe principal contra o tsarismo, seguindo a linha da coalizão do proletariado com os camponeses, e neutralizando a burguesia liberal. Esse plano, baseando-se na constatação de que a burguesia liberal não estava interessada numa vitória completa da revolução democrático-burguesa e de que à vitória da revolução preferia uma transação com o tsarismo, as custas dos operários e dos camponeses, confiava ao proletariado, como a única classe do país revolucionária até o fim, a hegemonia do movimento revolucionário. Esse plano era ótimo não somente porque avaliava com justeza as forças motrizes da revolução, mas também porque continha em germe a idéia da ditadura do proletariado (hegemonia do proletariado) previa genialmente a fase seguinte, superior, da revolução na Rússia e facilitava a passagem a essa fase. O desenvolvimento subseqüente da revolução, até fevereiro de 1917, confirmou inteiramente a justeza desse plano estratégico.


3. A segunda reviravolta histórica. Orientação para a ditadura do proletariado na Rússia

A segunda reviravolta teve início com a Revolução de Fevereiro de 1917, após a derrubada do tsarismo, quando a guerra imperialista pós a nu as chagas mortais do capitalismo em todo o mundo; quando a burguesia liberal, incapaz de tomar de fato, nas suas mãos, a direção do país, se viu obrigada a limitar-se a manter formalmente o Poder (governo provisório); quando os Soviets de Deputados Operários e Soldados, que haviam tornado em suas mãos o Poder efetivo, não tinham experiência nem vontade de fazer dele o necessário uso; quando os soldados, na frente de batalha, e os operários e camponeses, na retaguarda, se achavam esgotados pelo peso da guerra e da ruína econômica; quando o regime da "dualidade de poderes" e da "Comissão de Coordenação"[N60], dilacerado pelas contradições internas e incapaz de fazer a guerra ou de assegurar a paz, não só não encontrava "a saída do impasse", mas tornava ainda mais confusa a situação. Esse período terminou com a Revolução de Outubro de 1917. Nesse período, dois planos estratégicos entraram em conflito no seio dos soviets: o plano dos mencheviques e dos social-revolucionários e o plano dos bolcheviques. A estratégia dos mencheviques e dos social-revolucionários oscilando nos primeiros tempos entre os soviets e o governo provisório, entre a revolução e a contra-revolução, assumiu a sua forma definitiva no momento da abertura da Conferência Democrática (setembro de 1917). Essa estratégia seguiu a linha da eliminação gradual, mas constante, dos soviets do Poder e da concentração de todo o Poder do país nas mãos do "Anteparlamento", protótipo de um futuro parlamento burguês. Os problemas da paz e da guerra, o problema agrário e o operário, assim como a questão nacional, iam sendo adiados até que se convocasse a Assembléia Constituinte, a qual, por sua vez, era adiada para tempo indeterminado. "Todo o Poder à Assembléia Constituinte": assim os social-revolucionários e os mencheviques formulavam o seu plano estratégico. Era um plano de preparação para a ditadura da burguesia, enfeitada e bem posta, "inteiramente democrática", mas ditadura da burguesia. A estratégia dos bolcheviques (v. as Tesesdo camarada Lênin, publicadas em abril de 1917[N61]) previa no seu plano dirigir o golpe principal contra o Poder burguês, para liquidá-lo por meio das forças unidas do proletariado e dos camponeses pobres, e para organizar a ditadura do proletariado na forma de República dos Soviets. Rompimento com o imperialismo e saída da guerra; libertação das nacionalidades oprimidas do velho império russo; expropriação dos latifundiários e dos capitalistas; preparação das condições necessárias para organizar a economia socialista: tais eram os elementos do plano estratégico dos bolcheviques nesse período. "Todo o Poder aos Soviets": assim os bolcheviques formulavam, então, o seu plano estratégico. Esse plano era importante, não somente porque avaliava com justeza as forças motrizes da nova revolução proletária na Rússia, mas também porque facilitava e acelerava o desencadeamento do movimento revolucionário no Ocidente. O desenvolvimento subseqüente dos acontecimentos, até a Revolução de Outubro, confirmou por completo a justeza desse plano estratégico.


4. A terceira reviravolta histórica. Orientação para a revolução proletária na Europa

A terceira reviravolta teve início com a Revolução de Outubro, quando o conflito mortal entre os dois grupos imperialistas do Ocidente alcançou o ponto culminante, quando a crise revolucionária no Ocidente se desenvolvia de modo claro; quando o Poder burguês, na Rússia, que estava na realidade falido e se debatia em meio às suas contradições, rolou sob os golpes da revolução proletária; quando a revolução proletária vitoriosa, rompendo com o imperialismo e saindo da guerra, encontrou inimigos jurados na coalizão imperialista do Ocidente; quando o novo governo soviético, com os seus atos de paz, confiscando as terras dos latifundiários, expropriando os capitalistas e libertando as nacionalidades oprimidas, granjeou a confiança de milhões de trabalhadores do mundo inteiro. Foi uma reviravolta de importância mundial, porque rompeu pela primeira vez a frente internacional do capital, porque pela primeira vez se colocou, na prática, a questão da derrubada do capitalismo. Graças a isso, a Revolução de Outubro se transformou de força nacional, russa, em força internacional, e os operários russos, de destacamento atrasado do proletariado internacional, se transformaram em destacamento de vanguarda que, com a sua luta cheia de abnegação, despertava os operários do Ocidente e os países oprimidos do Oriente. Essa reviravolta ainda não se desenvolveu até o fim, porque ainda não adquiriu amplitude internacional, mas o seu conteúdo e a sua orientação geral já se definiram com bastante clareza. Dois planos estratégicos entraram, então, em conflito nos círculos políticos da Rússia: o plano dos contra-revolucionários, que atraíam para as suas organizações a parte ativa dos mencheviques e dos social-revolucionários, e o plano dos bolcheviques. O plano dos contra-revolucionários, dos social-revolucionários e dos mencheviques ativos, objetivava unir num só campo todos os descontentes: os velhos oficiais na retaguarda e na frente de batalha, os governos nacionalistas burgueses das regiões periféricas, os capitalistas e os latifundiários expropriados pela revolução, os agentes da Entente que preparavam a intervenção, etc. Tinham em vista a derrubada do governo soviético por meio de insurreições ou da intervenção estrangeira e queriam restaurar na Rússia o regime capitalista. O plano dos bolcheviques, pelo contrário, tinha como objetivo consolidar, dentro da Rússia, a ditadura do proletariado e ampliar a esfera de influência da revolução proletária em todos os países do mundo, mediante a união das forças do proletariado da Rússia, dos proletários da Europa e dos países oprimidos do Oriente contra o imperialismo mundial. É de extraordinário interesse a formulação precisa e sucinta desse plano estratégico feita pelo camarada Lênin, no seu opúsculo A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky:

"Realizar o máximo possível num só pais (no nosso país, J. St.) para desenvolver, apoiar e desencadear a revolução em todos os países".

O valor desse plano estratégico não consistia apenas na justa avaliação das forças motrizes da revolução mundial, mas também no fato de que previa e facilitava o processo, depois iniciado, em virtude do qual sobre a Rússia convergia a atenção do movimento revolucionário de todo o mundo e a Rússia se transformava na bandeira da emancipação dos operários do Ocidente e das colônias do Oriente. O desenvolvimento subseqüente da revolução em todo o mundo, assim como os cinco anos de existência do Poder Soviético na Rússia, confirmaram inteiramente a justeza desse plano estratégico. O fato de que os contra-revolucionários e os social-revolucionários e mencheviques, que várias vezes tentaram derrubar o Poder Soviético, se acham agora no estrangeiro, enquanto o Poder Soviético e a organização proletária internacional se convertem na mais importante arma da política do proletariado mundial, esse fato fala claramente em favor do plano estratégico bolchevique. Assinado: J. Stálin.



Fonte: marxist.org

 

Notas de fim de tomo: [N56] Universidade Sverdlov: Universidade Comunista Operária e Camponesa Sverdlov.

Por iniciativa de Sverdlov, foram organizados em 1918 breves cursos de agitação e propaganda, que deram origem, em janeiro de 1919, à Escola do Trabalho Soviético. Por decisão do VIII Congresso do P.C. (b) da Rússia, essa Escola foi transformaua em Escola Central de Trabalho Soviético e do Partido que, por sua vez, no segundo semestre de 1919, foi transformada na Universidade Comunista Operária e Camponesa Sverdlov. [N57] O grupo Emancipação do Trabalho, o primeiro grupo marxista russo, foi fundado em 1883, em Genebra, por Plekhánov. (Sobre a atividade do grupo e o seu papel histórico vide História do P. C. (b) da U.R.S.S., Edições Horizonte Ltda, Rio, 1947, 2ª edição, págs. 7 a 10). [N58] Durante a grandiosa manifestação política que se realizou em Petrogrado, nos dias 20 e 21 de abril de 1917, um grupo de membros do Comité de Petrogrado do Partido Bolchevique (Bagdatiev e outros) lançou a palavra-de-ordem de derrubada imediata do governo provisório, contrariando a diretiva do Comité Central Bolchevique de dar à demonstração um caráter pacífico. O Comité Central do Partido condenou a conduta desses aventureiros «de esquerda». (Vide Lênin, Obras Completas, em língua russa, 4ª edição, Moscou, vol. XXIV, págs. 181 e 182). [N59] Vide Duas táticas da social-democracia na revolução democrática, Editorial Vitória, Rio, 1945.

[N60] A Comissão de Coordenação, composta de Tchkheídze, Steklov, Súkhanov, Filíppovski e Skobélev (mais tarde participaram dela Tchernov e Tsereteli), foi criada a 7 de marco de 1917 pelo Comité Executivo mencheviquesocial-revolucionário do Soviet de Deputados Operários e Soldados de Petrogrado, para manter contato com o governo provisório, «influir» sobre ele e «controlar» a sua atividade. Na realidade, a Comissão de Coordenação favorecia a aplicação da política burguesa do governo provisório e procurava impedir que as massas operárias se lançassem à luta revolucionária ativa pela passagem de todo o Poder aos soviets. A Comissão de Coordenação existiu até maio de 1917, quando os representantes dos mencheviques e dos social-revolucionários passaram a fazer parte do governo provisório. [N61] Vide Lênin: As tarefas do proletariado na revolução atual — Obras Escolhidas, em dois volumes, Ediciones en Lenguas Extranjeras, Moscú, 1948, vol. II, págs 7 a 12.

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