Clara Zetkin
23 de junho de 1923
Palazzo Braschi, sede do Partido Nacional Fascista, 1934.
O fascismo é sintoma característico de decadência deste período, uma expressão da dissolução da economia capitalista que está em andamento e da decomposição do Estado burguês.
O fascismo está enraizado, sobretudo, no impacto da guerra imperialista e da elevada e acelerada desarticulação da economia capitalista por ela causada, sobre amplas camadas da pequena e média burguesia, dos pequenos camponeses e da “intelligentsia”. Esse processo arruinou as esperanças dessas camadas ao demolir suas condições de vida anteriores e o grau de segurança do qual gozavam até então. Muitos estão ainda desiludidos no que diz respeito às suas vagas expectativas de profundas melhorias sociais a serem promovidas pelo socialismo reformista.
Os líderes reformistas dos partidos e sindicatos traíram a revolução, capitularam ao capitalismo e formaram uma coalização com a burguesia no intuito de restaurar a dominação e exploração de classe como no passado. Fizeram tudo isso sob o estandarte da “democracia”. Como resultado, esse tipo de “simpatizante” do proletariado foi levado a duvidar do socialismo em si e de sua capacidade de emancipar e renovar a sociedade. A imensa maioria do proletariado de fora da Rússia soviética tolerou essa traição com um medo apático frente à luta e se submeteu à sua própria exploração e escravidão. Entre as camadas em efervescência no interior da pequena e média burguesia e da intelectualidade, isso despedaçou qualquer confiança na classe trabalhadora como um poderoso sujeito de uma radical transformação social. A eles se juntaram muitas forças proletárias que buscavam e demandavam por ações e estão insatisfeitas com a conduta de todos os partidos políticos. Além disso, o fascismo atraiu uma camada social, os ex-oficiais, que perderam suas carreiras ao fim da guerra. Agora, sem qualquer renda, eles estavam desiludidos, desarraigados, arrancados de suas raízes de classe. Isso é especialmente verdadeiro quando se trata das Potências Centrais derrotados na primeira guerra [Alemanha e Austro-Hungria], nos quais o fascismo assume uma forte coloração antirrepublicana.
Sem entendimento histórico, nem educação política, os bandos fascistas, socialmente heterogêneos e apressadamente reunidos, esperam que tudo seja corrigido pelo Estado que é sua própria criação e ferramenta. Supostamente se elevando acima das classes e partidos, este Estado executaria seu programa confuso e contraditório, seja em acordo ou desacordo com a legalidade burguesa, seja através da “democracia” ou por meio de um ditador.
No período de efervescência revolucionária e insurreição do proletariado, o fascismo flertou em algum grau com as reivindicações do proletariado revolucionário.
As massas que seguiam o fascismo vacilaram entre os dois exércitos que expressam a principal contradição entre classes e a luta entre elas no plano global da história. No entanto, após o capitalismo ter sido reafirmado e a burguesia retomar uma ofensiva geral, o fascismo posicionou-se firmemente ao lado da burguesia, um compromisso mantido por seus líderes desde o início.
O desenvolvimento do fascismo na Itália expressa a inabilidade do partido e dos sindicatos em utilizar as ocupações de fábricas de 1920 para elevar a luta de classe proletária. A vitória fascista obstrui violentamente qualquer movimento dos trabalhadores, mesmo aqueles por reivindicações salariais simples e não-políticas. A vitória fascista na Itália incentiva a burguesia de outros países a imobilizar o proletariado de maneira semelhante. A classe trabalhadora de todo o mundo está ameaçada a ter o mesmo destino de seus irmãos italianos.
Contudo, o desenvolvimento do fascismo na Itália também apresenta algo próprio. O fascismo tem um caráter contraditório e carrega os fortes elementos de sua desarticulação e dissolução ideológica e política dentro de si. Seu objetivo é reformar o velho Estado “democrático” burguês, transformando-o em um Estado fascista baseado na violência. Ele desencadeia conflitos entre a velha burocracia já estabelecida e a nova de tipo fascista; entre o exército permanente com seu corpo de oficiais e a nova milícia com seus líderes; entre as políticas violentas dos fascistas para a economia e o Estado e os remanescentes burgueses liberais e democráticos; entre os monarquistas e os republicanos; entre os verdadeiros fascistas (os camisas negras) e os nacionalistas recrutados ao partido e sua milícia; entre o programa original do fascismo, o qual enganou as massas e conquistou a vitória, e as políticas fascistas do presente, que serviram aos interesses dos capitalistas industriais e, sobretudo, da indústria pesada, que foi sustentada artificialmente.
O que sustenta a esses e outros conflitos, todavia, são conflitos econômicos e sociais insuperáveis e irreconciliáveis entre diferentes camadas sociais capitalistas: entre a grande burguesia e a pequena e média burguesia, assim como os pequenos camponeses e a intelligentsia. E impondo-se sobre todos, encontra-se maior de todos os conflitos econômicos e sociais: o conflito de classes entre burguesia e proletariado.
Os conflitos apontados já encontraram expressão na falência ideológica do fascismo, através da contradição entre o seu programa e a maneira como ele foi executado. A resolução desses conflitos pode ser contida temporariamente por bandos armados organizados e pelo terror sem limites. No entanto, esses embates terminaram por encontrar sua expressão nas forças armadas e esmagarão o fascismo.
A vanguarda revolucionária do proletariado não pode contemplar passivamente a desintegração do fascismo. Ao contrário, seu dever histórico consiste em precipitar e promover esse processo consciente e ativamente. O fascismo agrupa forças revolucionárias confusas e inconscientes, que devem ser levadas a se unir à luta de classe proletária contra a dominação e a exploração violenta da burguesia. A derrota militar do fascismo precisa separada por sua superação ideológica e política.
A vanguarda revolucionária consciente da classe trabalhadora têm a tarefa de tomar para si a luta contra o fascismo vitorioso na Itália e o fascismo que começa a tomar forma em todo o mundo. Ela deve desarmar e sobrepujar o fascismo politicamente e organizar a autodefesa dos trabalhadores contra as suas ações violentas com intensidade e efetividade. Uma estrutura especial para dirigir esta luta deve ser formada em todos os países, constituída pelos partidos e organizações dos trabalhadores, quaisquer que sejam seus pontos de vista.
Com este fim, são propostas as seguintes tarefas:
– Reunir informações sobre o movimento fascista de todos os países.
– Educação metódica da classe trabalhadora sobre o caráter de classe hostil do movimento fascista realizada por meio de artigos na imprensa, panfletos, cartazes, assembleias etc.
– Educação metódica das massas recém-proletarizadas, ou ameaçadas pela inevitável proletarização, a respeito de sua condição e o papel do fascismo de assistente do capitalismo de grande escala;
– Organização de lutas defensivas da classe trabalhadora através da formação e do armamento de contingentes de autodefesa. Dado que os fascistas concentram-se em fazer propaganda entre a juventude e que a juventude trabalhadora deve ser atraída à frente única, jovens maiores de dezessete anos devem estar agrupados nos mesmos contingentes combatentes, baseados em unidades fabris. Comissões de controle dos trabalhadores devem ser organizadas para impedir o transporte dos bandos fascistas e de suas armas. As tentativas fascistas de aterrorizar os trabalhadores e impedir qualquer expressão de sua atividade de classe devem ser impiedosamente derrubadas.
– Trabalhadores de todas as opiniões devem ser atraídos para esta luta. Todos os partidos, sindicatos e organizações de massa proletárias devem ser convocadas para se engajar na defesa comum contra o fascismo.
– É necessária uma luta contra o fascismo no parlamento e em todas as instituições públicas. Deve ser empregada uma forte ênfase na natureza imperialista e arquichauvinista do fascismo, que elevam os riscos de novas guerras internacionais.
II
As forças fascistas estão se organizando internacionalmente, e a luta dos trabalhadores contra o fascismo também deve ser organizada em escala mundial. Para este fim, um comitê internacional dos trabalhadores precisa ser criado. A sua tarefa é trocar experiências e organizar ações internacionais, sobretudo contra o fascismo italiano e seus representantes no estrangeiro. Esta luta inclui as medidas que seguem:
– Uma campanha de educação internacional realizada através de jornais, panfletos, cartazes e comícios sobre a total hostilidade da direção do fascismo italiano em relação aos trabalhadores e a sistemática destruição de todas as suas organizações e instituições.
– A organização de massivos comícios e manifestações internacionais contra o fascismo e contra os representantes do fascismo italiano no estrangeiro.
– A luta parlamentar. Exigir do parlamento, frações parlamentares dos trabalhadores e organizações internacionais dos trabalhadores que enviem comissões para a Itália com a função de averiguar as condições da classe trabalhadora no país.
– Lutar pela imediata libertação de trabalhadores comunistas, socialistas ou sem partido detidos ou encarcerados.
– Organização de um boicote internacional de todos os trabalhadores contra a Itália. Recusar-se a enviar carvão para a Itália. Todos os trabalhadores dos transportes devem se recusar a carregar e transportar bens para a Itália ou oriundos dela, e assim por diante. Para esse fim, criar um comitê internacional de mineiros, marinheiros, ferroviários e trabalhadores do transporte de todos os ramos.
– Apoio material e moral para a perseguida classe trabalhadora italiana por meio de coleta de fundos, acomodação de refugiados, apoio para seu trabalho no estrangeiro, etc. Expandir o Socorro Vermelho Internacional para realizar esse trabalho(1). Envolver as cooperativas de trabalhadores neste trabalho de assistência.
Deve ser trazido à atenção dos trabalhadores que o destino da classe trabalhadora italiana também será o seu, a não ser que o fluxo das forças com menor consciência de classe rumo ao fascismo seja bloqueado por uma vigorosa luta revolucionária contra a classe dominante. As organizações dos trabalhadores, portanto, devem demonstrar grande energia em sua ofensiva contra o capitalismo, na proteção das amplas massas de produtores contra a exploração, a opressão e a usura. Dessa maneira, elas irão contra- por a real luta de massas organizada contra as palavras de ordem revolucionárias falsas e demagógicas do fascismo. Além disso, elas devem derrubar as primeiras tentativas de organização do fascismo em seus próprios países, lembrando que o fascismo na Itália e internacionalmente pode ser melhor resistido através de intensa luta contra ele no seu próprio país.
Fonte: marxists.org
Notas de rodapé:
(1) O Socorro Vermelho Internacional, estabelecido pela Comintern ao fim de 1922, defendia prisioneiros de guerra membros da classe trabalhadora ao redor do mundo. Clara Zetkin assumiu a sua presidência a partir de 1925.
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