Friederich Engels
1/2 de Maio de 1881
Foi esta a palavra de ordem do movimento da classe operária inglesa ao longo dos últimos cinquenta anos. Prestou inicialmente grandes serviços, na época em que os sindicatos retomavam a atividade depois da revogação, em 1824, da infame lei contra o direito de associação[1], depois melhores serviços ainda na época do glorioso movimento cartista[2], quando os operários ingleses marchavam à cabeça da classe operária da Europa.
Contudo, a história avança, e muitas cousas que eram desejáveis e úteis há 50 anos ou mesmo há 30 anos, agora envelhecerão e passarão completamente de uso. Esta antiga e venerável palavra de ordem está nessa situação[3]. Um salário justo para uma jornada de trabalho justa? Mas o que é um salário justo, e o que é uma jornada de trabalho justa? Como serão eles determinados polas leis sobre que vive e se desenvolve a sociedade moderna? Para responder a esta pergunta, nom devemos socorrer-nos da moral, do direito ou da equidade, nem mesmo dum qualquer sentimento de humanidade, de justiça, ou até de caridade. Com efeito, o que é equitativo do ponto de vista da moral, ou mesmo do direito, pode estar longe de o ser do ponto de vista social. Aquilo que, do ponto de vista social, é ou não justo é determinado por uma só ciência: a que trata dos factos materiais da produção e da distribuição, a ciência da economia política.
Ora, que significa um salário justo e uma jornada de trabalho justa para a economia política? Muito simplesmente a taxa de salário bem como a duração e intensidade de trabalho de um dia, tal como som determinados pela concorrência entre empresários e operários no mercado livre. E a que nível som fixados?
Em circunstâncias normais, um salário justo é a quantia necessária ao operário para adquirir os meios de subsistência necessários para o manterem em estado de trabalhar e propagar a sua espécie, em conformidade com as condições de vida do seu meio e do seu país. Segundo as flutuações da economia, o salário real está quer acima, quer abaixo dessa quantia; assim, nas condições justas, esta soma é a média de todas as oscilações.
Uma jornada de trabalho equitativa corresponde a uma duração e a uma intensidade da jornada de trabalho que absorve completamente a força de trabalho - de um dia - do operário sem afetar as suas faculdades de produzir, no amanhã e nos dias seguintes, a mesma quantidade de trabalho.
Consequentemente, a transação pode descrever-se como se segue: o operário cede ao capitalista toda a sua força de trabalho, isto é, tudo o que pode dar sem tornar impossível a constante renovação da transação; em troca, obtém precisamente a quantidade de meios de subsistência - e não mais - que lhe som necessárias para recomeçar cada dia o mesmo trabalho. O operário dá o máximo e o capitalista o mínimo daquilo que a natureza da transacçom admite. Muito singular espécie de equidade esta!
Mas vejamos as cousas ainda um pouco mais de perto. Como, segundo os economistas, o salário e a jornada de trabalho som determinados pola concorrência, a equidade parece exigir que as duas partes desfrutem à partida de condiçons idênticas. Ora, nada disso se passa. Se nom consegue entender-se com o operário, o capitalista pode permitir-se esperar, já que pode viver do seu capital. O operário nom tem essa possibilidade. Para viver, tem apenas o seu salário, de modo que é obrigado a aceitar o trabalho quando, onde e como se lhe apresenta. O ponto de partida já nom é equitativo para o operário. A fame representa para ele unha terrível desvantagem. Contudo aos olhos da economia política capitalista, isso é o cúmulo da equidade!
Mas isso não é, de maneira nenhuma, essencial. A introdução dos meios mecánicos e do maquinismo nos ramos de novas indústrias, bem como a aplicaçom de máquinas mais aperfeiçoadas aos ramos já submetidos ao maquinismo, lançam cada vez mais operários para o desemprego, e isto processa-se a um ritmo bem mais rápido que aquele com que a indústria pode absorver e reempregar os braços tornados supérfluos. Esta mao-de-obra em excesso representa um autêntico exército de reserva para o capital. Quando os negócios som maus, os desempregados podem morrer de fame, mendigar, roubar ou ir para as prisons que som as Workhouses (casas de trabalho); quando som bons, constituem um reservatório que os capitalistas utilizam para aumentar a produção.
E enquanto o último homem, a última mulher e a última criança não tiver encontrado trabalho - o que só acontece nos momentos de superprodução desenfreada -, os salários som comprimidos pela concorrência deste exército de reserva, cuja simples existência assegura ao capital um acréscimo de poder na sua luta contra o trabalho. Na competição com o capital, a fome não é somente uma desvantagem para o trabalho, é uma verdadeira grilheta presa aos seus pés. E é a isto que a economia política burguesa chama equidade!
Vejamos agora com que paga o capital estes salários tão equitativos. Com capital evidentemente. No entanto, o capital não cria nenhum valor, já que, além da terra, o trabalho é a única fonte de riqueza. Com efeito, o capital acumula unicamente o produto do trabalho. Daqui decorre que os salários do trabalho som pagos com trabalho, sendo o operário remunerado com o produto do seu próprio trabalho.
Segundo o que habitualmente se chama equidade, o salário do operário deveria corresponder à totalidade do produto do seu trabalho, mas segundo a economia política isso não seria equitativo. Com efeito, o capitalista apropria-se do produto do trabalho do operário, e este não recebe mais do que lhe é necessário para continuar a subsistir. E o resultado desta concorrência tão "equitativa" é o produto daqueles que trabalham acumular-se invariavelmente nas mãos dos que não trabalham e nelas tornar-se a mais poderosa arma para reforçar a escravatura daqueles que som os únicos e verdadeiros produtores.
Que resta, portanto, do salário justo para uma jornada de trabalho justa? Haveria ainda muitas cousas a dizer sobre a jornada de trabalho justa que é também tão "justa" como o salário cotidiano. Mas deixaremos isso para outra vez. Mas, desde já, a conclusão é absolutamente clara para nós: a velha palavra de ordem fijo a sua época, e atualmente já não resulta.
A equidade da economia política, tal como a determinam as leis gerais que regem a atual sociedade, só é completa para um dos lados: o do capital. É, portanto, preciso enterrar de uma vez para sempre essa velha fórmula e substituí-la por esta outra:
A classe operária deve, ela mesma, apropriar-se dos meios de trabalho, isto é, das matérias-primas, fábricas e máquinas.
Fonte: marxists.org
Notas:
[1] A legislação contra as coalizações proibia a criação e a atividade de toda e qualquer organização operária. Ela foi abolida por um acto do Parlamento em 1824, mas foi praticamente restabelecida em 1825 por novas leis sobre as associaçons . Estas consideravam como "abuso" e "violência" o recrutamento para a entrada nos sindicatos e a agitaçom para a participação numa greve, comparando-os a um delito criminal.
[2] O cartismo foi o primeiro movimento revolucionário de massas da classe operária na história que eclodiu em Inglaterra nos anos 30 e 40 do século XIX. Os cartistas realizaram numerosos comícios e manifestações em todo o país que contaram com a participações de milhões de operários e demais trabalhadores.
[3] Tal como afirmou Marx na sua comunicação nas sessões de 20 e 27 de Junho de 1865 do Conselho Geral da I Internacional, "Em vez do lema conservador: 'um salário justo para um dia de trabalho justo!', a classe operária tem que inscrever na sua bandeira a palavra de ordem revolucionária: 'Abolição do salário!'".
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