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Florestan Fernandes: "O que é Revolução?"

Florestan Fernandes

1981

 

A palavra revolução tem sido empregada para criar confusões. Fala-se de “revolução institucional”, referindo-se ao golpe de Estado de 1964, no Brasil, com a intenção de acobertar o uso da violência militar que impediu a continuidade da revolução democrática. A palavra correta seria contrarrevolução. “Revolução” designa também alterações, contínuas ou súbitas, na natureza ou na cultura. No essencial, porém, seu significado fala de mudanças drásticas e violentas da estrutura da sociedade. O contraste entre “mudança gradual” e “mudança revolucionária” sublinha o teor da revolução como mudança que “mexe nas estruturas”, que subverte a ordem social imperante na sociedade. O golpe de Estado foi descrito como “revolução” para esconder a revolução democrática interrompida e intimidar, pois uma revolução dita suas leis, seus limites, o que ela extingue ou não tolera. Na realidade, o “império da lei” aboliu o direito e implantou a “força das baionetas”: não há mais aparências de anarquia. Uma parte precisava anular e submeter a outra à sua vontade pela força bruta.


Quanto ao significado das palavras-chave, era fundamental para começar a inversão das relações normais de dominação. Fica mais difícil para o dominado entender o que está acontecendo e mais fácil para defender abusos e violações cometidas pelos donos do poder. O marco de 1964 ilustra a natureza da batalha que as classes trabalhadoras precisam travar: libertar-se da tutela terminológica da burguesia, de relações de dominação que se definem, na área da cultura. Em uma sociedade de classes da periferia do mundo capitalista não existem “simples palavras”


A revolução constitui uma realidade histórica; a contrarrevolução é sempre o seu contrário: é aquilo que impede ou adultera a revolução. Na luta pela transformação da sociedade, a palavra “revolução” recebe um significado que não depende apenas do querer coletivo das classes trabalhadoras. Toda sociedade de classes possui certas exigências econômicas, sociais, culturais, jurídicas e políticas. Certas “transformações estruturais” designadas como “revoluções” – revolução agrária, urbana, demográfica, nacional, democrática indicam aproximações ou afastamentos em relação às potencialidades de expansão da ordem burguesa. Uma sociedade capitalista que não realiza a reforma agrária e onde revolução urbana é inchaço, metropolização segmentada, fica em débito com a revolução demográfica, nacional e democrática. Tais sociedades capitalistas são “Nações-proletárias” ou “Nações de lumpemburguesias”, mas possuem enorme espaço interno para revoluções dentro da ordem. Transformações que, em sociedades capitalistas avançadas, foram desencadeadas a partir de iniciativa das classes altas ou classes médias burguesas, aqui terão de transcorrer a partir de iniciativas das classes despossuídas e trabalhadoras. Se elas não fazem, a história estaciona, pois, o capitalismo não gera dividendos que interessem à Nação como um todo. Uma revolução democrática é subitamente convertida em revolução antidemocrática.


O conceito de revolução não aparece com especificidade histórica proletária. Não se trata da revolução dos “outros” e para os “outros”, pois as classes trabalhadoras e subalternas possuem um interesse direto e indireto na revolução da sociedade burguesa. Quando as classes burguesas paralisam e solapam as transformações que marcam as mudanças sociais progressivas do capitalismo, o proletariado deixa de ter o espaço histórico de que necessita para lutar por seus interesses de classe e aumentar o seu poder real de classe. Como prêmio, recebem uma dose adicional de superexploração e ultraopressão, sem condições materiais e políticas para remover esses males. A revolução, como e enquanto transformação estrutural da sociedade capitalista, representa uma fronteira da qual as classes trabalhadoras não poderão fugir sem consequências funestas. Uma sociedade capitalista semidemocrática é melhor que uma sociedade capitalista sem democracia alguma. Nesta, nem os sindicatos nem o movimento operário podem manifestar-se com alguma liberdade e crescer naturalmente. Por isso, a “revolução dentro da ordem” possui um conteúdo distinto do que ela assumiu nos países capitalistas centrais.


As classes burguesas não se propõem às tarefas históricas construtivas que estão na base das revoluções, a nacional e a democrática. As classes trabalhadoras têm de definir, por si próprias, o eixo de uma revolução burguesa que a própria burguesia não pode levar até o fundo e até o fim, por vários fatores. O que repudiam tais tarefas históricas do proletariado por temor do oportunismo e do reformismo ignoram duas coisas: a) que sem uma maciça presença das massas destituídas e trabalhadoras na cena histórica as potencialidades nacionalistas e democráticas da ordem burguesa não se libertam; b) o envolvimento político das classes trabalhadoras e das massas populares no aprofundamento da revolução dentro da ordem possui consequências socializadoras de importância estratégica. A burguesia tem pouco a dar e cede a medo. O proletariado cresce com a consciência de que tem de tomar tudo com as próprias mãos e, a médio prazo, aprende que deve passar, tão depressa quanto possível, da condição de fiel da “democracia burguesa” para a de fator de uma democracia da maioria, isto é, uma democracia popular ou operária.


No nível mais amplo, a noção de revolução tem de ser encarada como relações antagônicas entre burguesia e proletariado dentro do capitalismo da era atual. A época das revoluções burguesas já passou; os países capitalistas da periferia assistem a uma falsa repetição da história: as revoluções burguesas em atraso constituem processos estritamente estruturais, alimentados pela energia dos países capitalistas centrais e pelo egoísmo autodefensivo das burguesias periféricas. Estamos na época das revoluções proletárias e pouco importa que elas só tenham aparecido nos “elos débeis” do capitalismo. O que se configurava como um processo que iria dos países centrais para a periferia, de fato, caminhará da periferia para o centro! Por isso, as burguesias dos países centrais se organizam como verdadeiras bastilhas e promovem seu “pluralismo democrático” ou seu “socialismo democrático” como se fossem equivalentes políticos do socialismo revolucionário e do comunismo.


A linguagem e a mensagem do Manifesto permanecem atuais no essencial: sob o capitalismo e dentro do capitalismo, a revolução de sentido histórico se dá contra a sociedade burguesa e o seu Estado democrático-burguês. É a revolução que, na primeira etapa, substituirá a dominação da minoria pela dominação da maioria; e que, na etapa mais avançada, eliminará a sociedade civil e o Estado, tornando-se instrumental para o aparecimento do comunismo e um novo padrão de civilização. Nesse sentido, o conceito de revolução se identifica com as tarefas maiores do proletariado e define um longo porvir de transformações revolucionárias encadeadas. Nele, o proletariado possui funções análogas àquelas que a burguesia preencheu na desintegração da sociedade feudal e na construção da sociedade capitalista, só que mais complexas e difíceis. Para realizá-las, o proletariado precisa, antes de qualquer coisa, conquistar o poder. A partir daí, poderá construir sua versão de democracia e, em seguida, dedicar-se à constituição de uma sociedade igualitária e socialista. O fato do socialismo não evoluir, em todo o orbe, introduziu complicações nesse quadro: a) as revoluções proletárias herdaram atrasos e contradições do capitalismo nos “elos débeis”: foi preciso uma terrível luta para criar condições materiais e sociais de transição que não se encontravam configuradas historicamente; b) o cerco capitalista deformou de várias formas as revoluções proletárias e fortaleceu a capacidade de autodefesa e de ataque das nações capitalistas centrais, em seus polos estratégicos da periferia.


Não se pode nem se deve subestimar as inflexões da realidade histórica: o socialismo sofreu uma compressão que o sistema de poder feudal jamais poderia infligir ao capitalismo nascente. Essa constatação não altera o essencial: a revolução anticapitalista e antiburguesa é uma revolução proletária e socialista. Ela nega a ordem existente em todos os níveis e de modo global. A revolução em processo não é só uma revolução anticapitalista e antiburguesa, é uma revolução socialista que se negará quando o socialismo se converter em padrão de uma nova civilização, culminando no comunismo. Ou seja, a revolução proletária não terá um eixo revolucionário curto que se esgote na substituição de uma classe dominante por outra – o proletariado deverá ser ainda mais revolucionário depois da conquista do poder e da derrota final da burguesia. Essa é a condição histórica para que a transição para o socialismo e para o chamado “socialismo avançado” possua uma dinâmica democrática própria – cada avanço socialista representa um aprofundamento comunista na negação do período de transição e do “socialismo avançado”. Essa representação marxista já foi considerada como pura utopia.


A burguesia não levou sua revolução até o fim e até o fundo porque não teve a seu favor uma substância de classe revolucionária que a animasse a superar-se, a negar-se e a transcender-se de modo inexorável e incessante. O mesmo não ocorre com o proletariado: ele desintegrará a sociedade civil e o elemento político que ela engendra e reproduz, cimentando a vida social na igualdade, na liberdade e na fraternidade entre todos os seres humanos. Então, a Humanidade contará com uma civilização na qual as evoluções sociais deixarão de ser revoluções políticas, como previu Marx.


“Quem faz” a revolução?


Há uma tendência em tornar a revolução um fato “mítico” e “heroico”, individualizado e romântico. Várias tradições tendem a anular o papel de suporte e instrumental das massas e salientar as figuras centrais, as “figuras heroicas e decisivas”. A burguesia cedeu a essas tradições e fomentou-as; sua historiografia, mesmo quando busca os fatores externos, concentra-se no “culto dos heróis” e dá relevo aos papéis criadores dos “grandes homens”. A historiografia marxista não anula a importância da personalidade nos processos históricos e evita uma redução mecanicista que exclua o fator humano e psicológico. O que distingue o marxismo é sua tentativa de compreender a revolução como um fenômeno sociológico de classe.


O marxismo parte de uma concepção objetiva do lugar que a luta de classes confere à revolução em uma sociedade intrinsecamente antagônica. Isso exige que se evite cair no mal oposto: um “obreirismo” rudimentar e o “redentorismo” do partido revolucionário. As dimensões da luta de classes não são determinadas exclusivamente por uma das classes; elas constituem uma função do desenvolvimento do capitalismo e da vitalidade que as classes em conflito demonstram no aproveitamento das oportunidades históricas. O milagre capitalista não aparece na ascensão da burguesia à hegemonia social de classe e à conquista do poder político, mas no fato histórico que mostra como uma burguesia conservadora foi capaz de fomentar sucessivas revoluções técnicas, dentro e através do capitalismo, inclusive absorvendo, filtrando e satisfazendo parcialmente pressões anarquistas, sindicalistas e socialistas das massas operárias, pelas quais se alargou e se modificou a democracia burguesa. Isto fez com que a modernização capitalista se desenvolvesse, enquanto se intensificava a concentração da riqueza real e do poder real nas mãos de um tope restrito.


Essa dialética explica-se pelas determinações econômicas, sociais e políticas da propriedade privada dos meios de produção. Por ela, a burguesia se torna a classe possuidora mais poderosa da história das civilizações fundadas na estratificação social. Ela proclama uma utopia do seu período de ascensão revolucionária, e pratica uma ideologia de mistificação sistemática nas relações entre meios e fins, indispensável para que pudesse ser modernizadora e reacionária ou ultrarreacionária. A sua face oculta profunda aparece mais tarde, através do fascismo, da “democracia forte” e da autocracia burguesa, e se dissemina com intensidade na periferia do mundo capitalista.


A mesma estrutura de classes compelia o proletariado a um complexo movimento histórico: os proletários surgem como uma massa dispersa e incoerente, sem união ativa e subordinada aos interesses econômicos e aos objetivos políticos da burguesia. Graças ao desenvolvimento industrial, o proletariado cresce, concentra-se cada vez mais, forma sindicatos e uniões permanentes, se bate com a burguesia em escala local e nacional, e aprende a atuar em conjunto, toma consciência de seus interesses econômicos e seus objetivos políticos. Em função do próprio avanço das contradições da sociedade capitalista e de toda a ordem social, “a luta de classes se aproxima da hora decisiva” e o proletariado passa a preencher em plenitude suas tarefas de classe revolucionária, “aquela que tem o futuro em suas mãos”.


Pode-se pôr em relevo três estágios fundamentais e distintos. O fato histórico central é a constituição do proletariado em classe (classe em si) e o seu desenvolvimento como classe independente no desenvolvimento concomitante das forças produtivas e da própria burguesia. No entanto, só no primeiro estágio os proletários ficam à mercê da burguesia, engrossando suas forças sociais e políticas. No segundo estágio, quando se desenvolve como classe independente, o proletariado liberta- -se da tutela política burguesa e impõe-se como “partido político” (classe capaz de lutar organizada por salários, melhores condições de trabalho e existência, maior autonomia social e o alargamento político da ordem burguesa). Neste estágio, as reivindicações operárias de caráter sindicalista e socialista definem o lado proletário dos direitos civis e políticos, incorporados pela força da luta de classes à legalidade burguesa e ao funcionamento do sistema político representativo. No terceiro estágio, o potencial revolucionário do proletariado emerge e expande-se livremente, já que deve comandar a luta de classes e o processo global de desintegração da “antiga sociedade” e de constituição incipiente da sociedade socialista.


“Todos os movimentos históricos precedentes foram movimentos minoritários ou em proveito de minorias. O movimento proletário é o movimento consciente e independente, da imensa maioria, em proveito da imensa maioria. O proletariado não pode erguer-se sem fazer saltar todos os estratos superpostos que constituem a sociedade oficial.” Ao realizar sua missão que “é a de destruir todas as garantias e seguranças da propriedade individual”, o proletariado inaugura uma época de grandes transformações históricas. Isso mostra que o desenvolvimento do capitalismo se enlaça ao desenvolvimento concomitante das duas classes fundamentais da sociedade capitalista e ao agravamento da luta de classe. Por causa dele, o antagonismo entre o capital e o trabalho se manifesta como fermento histórico. As fases do desenvolvimento do proletariado descrevem a guerra civil mais ou menos oculta, na sociedade, até a hora em que essa guerra explode, numa revolução aberta, e a derrubada violenta da burguesia estabelece a dominação do proletariado. Há uma guerra civil latente e uma eclosão revolucionária aberta. As transformações seguem as linhas dos equilíbrios e desequilíbrios de forças nas relações antagônicas da burguesia com o proletariado


Quem faz a revolução é a grande massa proletária e quem lhe dá sentido é a grande massa proletária. Não se trata de uma categoria social como “Povo”, mas da parte proletária do Povo e daqueles que, não sendo proletários, identificam-se politicamente com o proletariado na destruição das formas burguesas de propriedade e de apropriação social. Quer dizer, a maioria descobre que a ordem burguesa não é a única possível e tenta, por seus próprios meios, a conquista do poder e nova forma de democracia, a democracia proletária. A nova época inicia-se mediante uma revolução pela qual o proletariado, convertido em classe dominante, “destrói violentamente” as antigas relações de produção e “as condições dos antagonismos de classes e as próprias classes”, abrindo caminho para extinguir “sua própria dominação como classe”


Utopia e ideologia caminham juntas, já que ambas extraem sua realidade histórica de uma condição de classe revolucionária instrumental para a revolução, mas condenada ao desaparecimento pela concretização da própria revolução. Isso permite a Marx e Engels afirmar: “Em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes e antagonismos de classes, haverá uma associação na qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos”. Esta descrição propõe a revolução do proletariado que não se esgota no âmbito do capitalismo e da sociedade burguesa. Enquanto a guerra civil é latente, a transformação revolucionária se equaciona dentro da ordem como um processo de alargamento e aperfeiçoamento da sociedade burguesa, pela ação coletiva do proletariado. Quando a guerra civil se torna aberta, a transformação revolucionária se equaciona contra a ordem envolvendo, primeiro a conquista do poder e, depois, a desagregação da antiga sociedade e a formação de uma sociedade sem classes, destituída de dominação do homem pelo homem e de elemento político (ordem sem sociedade civil e o Estado).


No plano prático, o reconhecimento, pelos revolucionários, de que situações revolucionárias não se criam ao sabor da vontade, não se produzem por encomenda. Situações revolucionárias encobertas e explícitas formam uma sequência, em cadeia. O talento inventivo dos revolucionários se mostra na sua capacidade de atinar com as exigências e possibilidades revolucionárias de cada situação. Um diagnóstico errado conduz a sacrifícios inúteis; uma oportunidade real desperdiçada reflete-se numa perda do movimento revolucionário em cadeia, afeta o presente e o futuro. O teor revolucionário do movimento de classe se determina pelas potencialidades favoráveis e desfavoráveis da situação concreta e pode-se prescindir de fórmulas dogmáticas e de líderes messiânicos.


A firmeza da ação revolucionária de classe dependerá: a) de formas de solidariedade de classe; b) de consciência revolucionária de classe; e c) de comportamento revolucionário de classe. Se o proletariado não estiver preparado para enfrentar suas tarefas revolucionárias concretas, não poderá levar a revolução até o fim e até o fundo, no contexto social imediato e a longo prazo. A classe que não souber aproveitar as oportunidades terá de pagar um alto preço, pois, se a burguesia conseguir vergar o “arco histórico” do proletariado, este oscilará para uma prolongada penumbra histórica (como aconteceu com o proletariado europeu). Se o proletariado conseguir se antecipar ao curso da história, ele poderá deslocar a burguesia de suas posições e precipitar a sua própria revolução social (como ocorreu na Rússia).


Quer dizer que descrever as condições da revolução não equivale a “ignorar” o elemento humano na história. Significa buscar as linhas de determinações que fluem, através das classes e antagonismos de classes, na objetivação das condições nas quais os seres humanos constroem coletivamente a sua história. “A história não faz nada, ‘não possui uma riqueza imensa’, ‘não dá combates’! Acima de tudo, é o homem, real e vivo, que faz tudo isso e realiza combates; não é a história que se serve do homem como de um meio para realizar seus próprios fins; ela não é mais que a atividade do homem que persegue seus objetivos”. O homem real e vivo está nos dois polos da luta de classes, nos dois lados da “guerra civil mais ou menos oculta”, da guerra civil que “explode numa revolução aberta” sob a forma concreta que os antagonismos entre capital e trabalho assumem nos conflitos da burguesia com o proletariado.


Revolução e contrarrevolução constituem, por consequência, duas faces de uma mesma realidade. Sob a guerra civil latente, a pressão autodefensiva da burguesia pode ser contida nos limites da “legalidade”; por sua vez, o contra-ataque proletário fica circunscrito à defesa de sua autonomia de classe e de sua participação coletiva no sistema de poder burguês. Quer dizer, a burguesia afasta-se das tarefas históricas impostas por sua revolução de classe, mas o proletariado não. Ele força e violenta os dinamismos da sociedade capitalista, obrigando os setores estratégicos das classes burguesas a retomar pé na transformação revolucionária da ordem social competitiva. Onde isso não ocorreu ou ocorreu de modo fraco e descontínuo, a democracia burguesa se revelou débil e propensa às contrações contrarrevolucionárias dos regimes ditatoriais


Sob a guerra civil aberta, a pressão autodefensiva da burguesia torna-se virulenta e se coloca acima de qualquer “legalidade”. Por sua vez, o proletariado bate-se pela conquista do poder ou pela instauração da dualidade de poder que exprima claro a legalidade que a revolução opõe à ilegalidade da contrarrevolução. O campo da luta de classes adquire uma transparência completa e converte-se em um campo de luta armada, pela qual a revolução e a contrarrevolução metamorfoseiam a guerra civil a frio ou/e a quente, em um prolongamento da política por outros meios. A vitória de uma ou de outra classe depende da relação da revolução e da contrarrevolução com as forças sociais que outras classes podem colocar à disposição da transformação revolucionária ou da defesa contrarrevolucionária da ordem. Isso torna decisivo o equacionamento de estratégias revolucionárias compatibilizadas com as exigências e possibilidades das situações concretas.


Lenin trata dos indícios de uma situação revolucionária e das probabilidades da eclosão revolucionária: “está fora de dúvida que a revolução é impossível sem uma situação revolucionária, mas nem toda situação revolucionária leva à revolução. Os três indícios principais de uma situação revolucionária são: 1) impossibilidade para as classes dominantes de manter sua dominação sob uma forma inalterada; crise do ‘vértice’, crise da política da classe dominante, o que cria uma fissura onde os descontentes e a indignação das classes oprimidas abrem um caminho. Para que a revolução estoure não é suficiente que ‘a base não deseje mais’ viver como antes, mas é necessário que ‘o cume não o possa mais’; 2) agravamento, mais do que é comum, da miséria e do desespero das classes oprimidas; 3) intensificação acentuada da atividade das massas que se deixam pilhar nos períodos ‘pacíficos’ mas que, no período tempestuoso, são empurradas pela crise no seu conjunto ou pelo próprio vértice para uma ação histórica independente”.


Sem essas transformações objetivas, a revolução é impossível. É o conjunto dessas transformações objetivas que constitui uma situação revolucionária. Conheceu-se essa situação em todas as épocas de revoluções no Ocidente, embora não tenham ocorrido revoluções em tais momentos. Porque a revolução não surge de toda situação revolucionária, mas só quando às transformações objetivas enumeradas se acrescenta uma transformação subjetiva, a saber: a capacidade da classe revolucionária de conduzir ações revolucionárias de massa vigorosas para destruir completamente (ou parcialmente) o antigo governo que não cairá jamais, mesmo em épocas de crises, se não for ‘compelido a cair’”. “A lei fundamental da revolução, confirmada por todas as revoluções, é: para que a revolução tenha lugar não é suficiente que as massas exploradas e oprimidas tomem consciência da impossibilidade de viver como antes e reclamem transformações. Para que a revolução tenha lugar é necessário que os exploradores não possam viver e governar como antes. É só quando (os de baixo) não querem mais e (os de cima) não podem mais continuar a viver da antiga maneira, é então que a revolução pode triunfar. Essa verdade se exprime em outras palavras: a revolução é impossível sem uma crise nacional (afetando explorados e exploradores). Assim, para que haja uma revolução, é preciso: a) conseguir que a maioria dos operários (pelo menos a maioria dos operários conscientes, politicamente ativos) tenha compreendido a necessidade da revolução e esteja disposta a morrer por ela; b) que as classes dirigentes atravessem uma crise governamental que envolva na vida política até as massas mais retardatárias que enfraqueça o governo e torne possível aos revolucionários a sua pronta substituição (o indício da revolução verdadeira é a rápida elevação do número de homens aptos para a luta política, entre a massa laboriosa, oprimida e até a apática)” (Lenin).


Como parte do cerco capitalista contra o movimento socialista revolucionário, suscitou-se a polêmica sobre o aparecimento de um partido proletário revolucionário que substituiu a classe por uma vanguarda política e confere todo o poder de decisão ou de direção a pequenas elites de revolucionários profissionais. Depois das experiências históricas da Comuna de Paris e em função da dura repressão que a burguesia desencadeou sobre o proletariado na Europa, ficara claro que as tarefas revolucionárias impunham ao proletariado uma centralização mais eficiente e produtiva de seu potencial revolucionário. Isso não quer dizer que a constituição do partido proletário revolucionário equivalia à formação de uma elite “exterior” à massa, em típica relação de dominação com ela (como se o partido socialista revolucionário reproduzisse a estrutura do Estado capitalista e, em particular, de suas Forças Armadas). Já no Manifesto, Marx e Engels assinalaram o papel dos comunistas, diante dos proletários, como “a fração mais resoluta e avançada dos partidos operários de cada país, a fração que impulsiona as demais”, com a vantagem da “compreensão nítida das condições, da marcha e fins gerais do movimento proletário”. “O fim imediato dos comunistas é o mesmo que o dos outros partidos operários: constituição do proletariado em classe, derrubada da supremacia burguesa, conquista do poder político pelo proletariado”


A existência de uma classe revolucionária não constituía uma “invenção” deles. Sem um proletariado consciente e organizado, a revolução proletária nunca passaria de uma miragem. Qualquer partido revolucionário do proletariado não pode, pois, prescindir do proletariado como classe, e nem poderia pretender mais do que ser instrumental para os três objetivos centrais mencionados no Manifesto. Lenin ressalta: “A vanguarda do proletariado é conquistada ideologicamente. De outro modo, mesmo dar um primeiro passo na direção da vitória será impossível. Porém, daí à vitória ainda há uma grande distância. Não se pode vencer somente com a vanguarda. Lançar somente a vanguarda na batalha decisiva, enquanto toda a classe e as grandes massas não tenham tomado uma atitude de apoio direto à vanguarda, ou pelo menos uma neutralidade benévola, seria tolice e mesmo um crime. Para que toda a classe, as massas de trabalhadores e oprimidos do Capital cheguem a tal posição, a propaganda, só a agitação não é suficiente. É preciso que essas massas façam sua própria experiência política. Tal é a lei fundamental de todas as grandes revoluções”


3. É possível “impedir” ou “atrasar” a revolução?


A revolução social do proletariado não constitui uma fatalidade do desenvolvimento capitalista. Se fosse assim, o movimento revolucionário seria dispensável e o sindicalismo, o socialismo, o anarquismo e o comunismo não teriam razão de ser. O Manifesto diz: “o elemento ‘exterior’ na ação dos comunistas provém da necessidade de levar ao proletariado ‘uma compreensão nítida das condições, da marcha e dos fins gerais do movimento proletário’”. Em uma dada situação, pode ser necessário fortalecer e acelerar a “constituição do proletariado em classe”; em outra pode ser necessário solapar e abalar “a supremacia burguesa”, e, onde os proletários contem com as condições indispensáveis de organização como classe independente e possam compelir a burguesia a aceitar sua atividade política e a tolerar sua presença revolucionária, a necessidade central poderá ser a “conquista do poder político”. Esses fins podem mesclar-se, a partir de condições históricas típicas de uma situação revolucionária. O central é a luta de classes. A luta de classes se manifesta desde o início, desde o “ponto zero” desse movimento histórico, no qual o proletariado não reúne as condições materiais e sociais de uma classe e o objetivo revolucionário larvar vem a ser a constituição da classe


Constituir-se e expandir-se como classe independente é uma façanha, tão difícil quanto lutar contra a supremacia burguesa, para conquistar espaço histórico e político, mais ou menos dentro da ordem, e travar a luta direta pelo poder, o controle da sociedade e o comando do Estado. Segundo Lenin, é depois de derrubar a burguesia e de construir uma democracia proletária que se torna ainda mais difícil defender a revolução social e conduzi-la para diante. Aí é que os proletários, com seus aliados, precisam evidenciar mais firmeza, tenacidade e capacidade coletiva de sacrifício. Para os que acham que a revolução é uma aventura, que acreditam que se consegue a revolução “por encomenda”, tudo é simples, basta provocar a burguesia e tomar-lhe o poder.


Quanto mais desenvolvido for o sistema de produção capitalista, maior será a facilidade que as classes possuidoras e dominantes encontrarão em se fortalecer através da luta de classes. Essa regra se evidenciou e de maneira clara com a derrota da Comuna. Ao contrastar o poder da burguesia ao poder da nobreza feudal, Marx e Engels assinalam a natureza das dificuldades que os proletários teriam de enfrentar e de vencer. Só depois de conquistar o poder teria o proletariado probabilidades de alterar sua relação com a sociedade capitalista e de usar o poder político para levar até o fim a destruição da ordem existente ou de encetar, a fundo, a construção de uma nova ordem social. Enquanto combate dentro da ordem capitalista e através de meios legais, qualquer que fosse sua capacidade de recorrer à violência, o proletariado poderia, no máximo, redefinir sua relação com a revolução burguesa, reacendendo os seus estopins, para ampliar sua autonomia e organização, como e enquanto classe, e serrar os dentes ou amarrar os braços das classes dirigentes.


Continuando com sua hegemonia social e política, estas classes poderiam enfrentar a maré montante, fazendo concessões e ampliando os direitos civis, sociais e políticos do proletariado, dentro da ordem, ou aproveitar as condições favoráveis para reduzir o ímpeto da pressão operária e, se possível, neutralizá-la. Em outras palavras, a luta de classes impõe ziguezagues aos dois lados e, em termos estratégicos, a burguesia sempre dispõe de vantagens que não podem ser subestimadas. A Comuna permitiu uma demonstração conclusiva. A burguesia pode aproveitar todas as vantagens de uma guerra civil a quente, inclusive um forte apoio externo de outros países capitalistas, fácil de mobilizar em virtude do caráter mundial do mercado capitalista e do interesse mundial que liga as várias burguesias, no patrocínio à mão armada de seus interesses vitais.


Os antecedentes da Primeira Grande Guerra mostraram um painel ainda mais sombrio. A rapidez com que o rico movimento socialista foi convertido ao social-patriotismo revela o poder de corrupção que o controle da economia, da sociedade e do Estado coloca nas mãos das burguesias dominantes nos países capitalistas mais adiantados. Elas não precisam recorrer à violência para autodefender-se, autoproteger-se e contra-atacar. Basta incorporar um setor mais amplo da vanguarda operária e das burocracias sindicais ou partidárias do proletariado às classes médias, para convertê-los em burgueses e em cavaleiros andantes da democracia burguesa. A violência é algo a que se recorre quando a contrarrevolução vitoriosa concede todos os trunfos às classes dominantes. Em contraposição, o que os operários e camponeses são capazes de fazer, se chegam a dispor de recursos estratégicos análogos, é demonstrado pela revolução bolchevique. Todas as forças lançadas contra o Estado bolchevique, a partir de dentro e a partir de fora, foram batidas e destroçadas.


Uma análise que leve em conta as evoluções ocorridas nas sociedades capitalistas centrais descobre que a burguesia não só aprendeu a conviver com a luta de classes, mas vergou o próprio movimento socialista e comunista. Forçou-os a definir como seu eixo político a forma burguesa de democracia – forçou-os a renegar a luta de classes e os meios violentos, “não democráticos”, de conquista do poder. Isso não implica que a revolução proletária tenha sido proscrita, que “o perigo passou”. Mas, implica em um avanço considerável da burguesia, em escala nacional e mundial, na utilização da luta de classes em proveito da defesa do capitalismo. É uma aprendizagem que proporcionou vantagens na “luta ideológica” de algo substancial: a burguesia aprendeu a usar globalmente as técnicas que lhe são apropriadas de luta de classes e ousou incorporar essas técnicas a uma gigantesca rede institucional, da empresa ao sindicato patronal, do Estado às organizações capitalistas continentais e de âmbito mundial. Enquanto o movimento socialista e comunista optou por opções “táticas” e “defensivas”, a burguesia avançou estrategicamente, ao nível financeiro, estatal e militar, e procedeu a uma revolução das técnicas da contrarrevolução. Inclusive, abriu novos espaços para si própria, explorando as funções de legitimação do Estado, para amarrar as classes trabalhadoras à segurança da ordem e soldar os sindicatos ou os partidos operários aos destinos da democracia.


Não cabe, aqui, ir ao fundo do assunto, nem perguntar quais foram os erros que sindicalistas, socialistas, anarquistas e comunistas cometeram para serem relegados à condição de massa de manobra da burguesia, em um momento histórico, onde o proletariado possui todas as condições de classe em si e para si. O que conta, tão somente, são concessões traidoras e suicidas. Do abandono do internacionalismo proletário passou-se ao social patriotismo e, deste, à renegação do aprofundamento da luta de classes e da revolução proletária, como se a ordem social competitiva pudesse chegar a um estágio de confraternização de classes sociais antagônicas. Isso é uma vitória não apenas circunstancial, mas prolongada e histórica da burguesia! O movimento histórico do proletariado vergou exatamente nos países onde ele tinha as melhores condições para dinamizar a luta de classes de forma revolucionária. Fica claro que a marcha da luta de classes pode oscilar e que tais oscilações se traduziram no declínio prolongado do potencial da classe operária de bater-se pela “conquista do poder”. Se ela sucumbe no plano prévio de enfrentamento com a “supremacia burguesa”, inclusive incorporando a ideologia de classe da burguesia e sua forma de democracia, ela tem de abater-se e sucumbir ao poder do Estado. É fácil dizer: isso não quer dizer nada, o proletariado poderá perder todas as batalhas, mas não perderá a guerra. Como ganhar a guerra sem aceitar “todas as batalhas”?


O que tem prevalecido é a contrarrevolução, macia e a frio, que drena as forças proletárias mais estuantes para o “exército da ordem”; que perfilha os proletariados mais fortes, organizados e promissores às palavras-chave da democracia burguesa, convertida no alfa e ômega do sindicalismo e do socialismo militantes. Por fim, numa época de crise de civilização, que é crise da civilização burguesa, descobre-se que o “mundo livre” é o mundo da civilização burguesa! As “promessas do proletariado” não se concretizaram porque as classes trabalhadoras foram batidas. Culpar o consumo de massas, as guerras, à corrupção parcial ou global de vanguardas operárias e da aristocracia operária, à omissão da União Soviética... não muda a realidade das coisas. As classes burguesas, ameaçadas de extinção, fizeram o que estava na lógica da situação revolucionária para que fizessem. Revitalizaram, até onde foi possível, o polo burguês da luta de classes e mergulharam a fundo na contrarrevolução, beneficiando-se das novas revoluções tecnológicas e dos recursos que trouxeram ao fortalecimento do capitalismo, à renovação da opressão e aperfeiçoamento da repressão. Comprovaram que o poder burguês não pode ser derrotado de modo tão fácil quanto o poder feudal e que o movimento socialista revolucionário precisa recalibrar-se e reaparelhar-se para revolucionar suas técnicas de revolução. O polo proletário da luta de classes entrou em declínio e sofreu um colapso prolongado. Houve enfrentamentos e sacrifícios imensos, mas sem consequência à vitória da causa revolucionária do proletariado. Nem a ótica socialista nem a comunista responderam às exigências da situação. De concessão em concessão, de miséria em miséria, suas forças militantes perderam a oportunidade histórica e viram-se condenadas, para salvar o “espaço histórico do proletariado”, a renegar os valores fundamentais do socialismo revolucionário e toda a estratégia revolucionária do proletariado na luta de classes.


É hora de ler e reler o Manifesto. Não é um catecismo, nem o mundo histórico para o qual foi calibrado existe mais. No entanto, é preciso lê-lo e relê-lo, a fundo, por outra razão: trata-se de recuperar a verdadeira ótica do socialismo revolucionário e do comunismo. A luta de classes não constitui um artigo de fé. Ela é uma realidade e só poderá desaparecer se o capitalismo for destruído. Por maior que seja a parcela do “bolo” reservada à satisfação da aristocracia operária, ou das classes trabalhadoras, a ordem capitalista nunca poderá alterar-se de modo a subverter a relação básica entre capital e trabalho. O próprio capitalista só tem interesse no “amortecimento” e no “solapamento” da luta de classes, enquanto puder manter integralmente a forma capitalista de propriedade privada e de exploração do trabalho. O capitalismo reformado é uma balela e os que acreditam nele como “uma forma de revolução democrática”, capaz inclusive de superar o socialismo proletário, nunca tiveram quaisquer elos efetivos com as posições proletárias na luta de classes. A volta ao Manifesto será, pois, uma maneira de ressoldar os liames do movimento socialista com o proletariado e com a revolução anticapitalista


Não faltam análises mostrando o “caráter utópico” do renascimento de uma autêntica consciência proletária da transformação do mundo porque desapareceram as condições para a manifestação e o florescimento fermentativo dos conflitos de classes! Insiste-se no crescimento das classes médias, no estreitamente do setor proletário ou na predominância do trabalho intelectual para ressaltar que, sob a grande indústria ultramoderna, a sociedade de massas despolitiza a consciência e o comportamento ativo das classes oprimidas. Até parece que as classes possuidoras e dominantes descobriram seu paraíso, graças à civilização industrial recente! Esse pessimismo radical mostra até onde foi a pressão burguesa, depois de um século de subversão contrarrevolucionária do movimento e do pensamento socialista. Mostra até onde foi depois das versões de revisionismo, do social-patriotismo e do socialismo reformista, para a defesa da ordem, calcada na ideia de que a revolução proletária se tornou impraticável ou improvável e um contrassenso político.


Os que não gostam do capitalismo precisam aprender a conviver com ele, a torná-lo “mais humano”, através da dissidência inteligente e dos movimentos dotados de centros múltiplos de defesa comunitária da “qualidade da vida”! Ora, o capitalismo é o maior coveiro da qualidade da vida. Por onde ele passou com vitalidade, nos países do centro e da periferia, superdesenvolvidos, subdesenvolvidos ou não desenvolvidos, o efeito foi sempre o mesmo. A qualidade da vida não passa de uma miragem e os múltiplos movimentos que propagam as suas bandeiras apenas demonstram a impotência dos seres humanos que pretendem conciliar capitalismo e razão. Nem é preciso a guerra, aberta ou mascarada, para deixar patente que a única defesa correta da qualidade da vida constitui uma função do desmantelamento da civilização industrial capitalista – ou qualidade da vida se processa através do socialismo revolucionário, ou o movimento histórico em sua defesa nunca irá além de uma quimera.


Claro que a revitalização dos ideais revolucionários não pode ocorrer “como se estivéssemos” no século XIX. A luta de classes é suscetível a várias adaptações. O essencial é que não seja extinta ou paralisada, em nome de mistificações, como a que a encerra no universo legal e pacífico de defesa da forma burguesa de democracia. A via democrática compatível com a luta de classes é a que se cria graças ao enfrentamento das classes subalternas e oprimidas com as classes dirigentes e opressoras. Seria ilusório supor que as classes subalternas e oprimidas possam organizar-se para levar a luta de classes a um patamar revolucionário seguindo à risca o modelo burguês de democracia ou prescindindo da forma concreta de democracia real interna em seu movimento histórico. A democracia é um valor supremo, um fim maior e um meio essencial. No caso das rebeliões dos oprimidos sob o capitalismo, um meio essencial sine qua non: a ordem capitalista não é negada senão depois da conquista do poder. O deslocamento da supremacia burguesa e a necessidade da conquista do poder exigem uma democratização prévia, de natureza proletária, das organizações operárias de autodefesa e ataque. O que entra em jogo não é ou democracia ou revolução proletária. Desde que o proletariado tenha condições de lançar-se à dinamização da luta de classes, põe em equação histórica uma forma política de democracia que as classes burguesas não podem endossar e realizar


Não são os proletários que têm interesse em despojar-se das condições vantajosas de travar a luta de classes sob o capitalismo monopolista e imperialista da era atual. Isso é imposto por meios coercitivos ou suasórios pela violência burguesa. O Estado democrático tem de destruir o movimento operário ou impedir que ele lute por seus objetivos históricos centrais, porque a democracia burguesa não é forte para conter os antagonismos gerados pela produção capitalista e pelo desenvolvimento do capitalismo. Essa forma política de democracia não comporta a contraviolência dos proletários e oprimidos porque esta extinguiria as bases econômicas, sociais e políticas da dominação burguesa. Ela não pode conferir liberdade igual a todas as classes sem desintegrar-se. É impossível reformar o capitalismo de uma forma proletária. Para reformar o capitalismo de uma forma proletária seria preciso eliminar todas as causas da desigualdade econômica, social e política que existem, e se reproduzem, sob o capitalismo. Quer dizer, engendrar na sociedade e na civilização capitalistas existentes, a forma histórica que a sociedade e a civilização tenderão a assumir graças e através do socialismo


As mistificações dos “socialistas democráticos” são evidentes. A democracia burguesa de nossos dias é uma democracia armada, e armada contra isso. A “democracia forte” possui as mesmas causas que o fascismo e busca os mesmos fins. Nasce do temor da burguesia diante da revolução proletária e pretende paralisar a história. Se tudo isso fosse compatível com a forma política que a democracia tende a assumir com a erupção e ascensão das classes subalternas e oprimidas na história, o mundo moderno nascido da revolução industrial e das revoluções técnicas sucessivas, que enriqueceram o capitalismo sem modificá-lo em sua substância, seria muito diferente do que ele é. A Humanidade poderia alcançar uma nova época de civilização sem passar pelo socialismo e pelo comunismo! O sindicalismo, o anarquismo, o socialismo e o comunismo já estariam mofando nos porões da história, pois os proletários e seus aliados poderiam construir o mundo da igualdade, da liberdade e da fraternidade sem ter de recorrer à luta de classes e sem lançar mão da contraviolência para assegurar certos mínimos que a democracia liberal não confere a todos de modo universal!


4. Como “fortalecer a revolução” e “levá-la até o fim”?


Os proletários relacionam-se com duas revoluções distintas: a) com a revolução burguesa, como força tutelada e cauda política da burguesia; b) com a revolução proletária, criando as condições que a tornam possível, dentro da ordem burguesa e, mais tarde, na luta pela conquista da hegemonia social e do poder político. A literatura socialista fala pouco da relação do proletariado com a primeira revolução. No plano prático, nos países capitalistas “subdesenvolvidos”, vários partidos de esquerda e os partidos comunistas conferiram à revolução burguesa o caráter de objetivo central. A falta de rigor teórico levou a erros políticos estratégicos. É tão verdadeiro que, nos países onde a revolução proletária venceu, os partidos comunistas ou as forças revolucionárias modificaram, em tempo, a estratégia. Deixaram de separar a burguesia nacional do imperialismo; reconheceram que as classes burguesas internas não fariam frente às suas tarefas revolucionárias; entenderam que as crises de poder comportavam a coexistência de dois padrões de revolução social; e deram prioridade à revolução proletária, percebendo que as massas a apoiariam com entusiasmo. Esses avanços foram lentos e complicados, pois era preciso pôr à prova as classes burguesas e ver o que, dentro delas, constituía força revolucionária real. Onde esta evolução não se concretizou, manteve-se a “ilusão constitucional e democrática”, nas piores condições possíveis. Os proletários e as massas camponesas ficaram à mercê dos apetites de burguesias débeis e desinteressadas em aprofundar sua própria revolução. Isso abriria espaço político para as massas destituídas e subalternas e acarretaria transformações históricas incontroláveis relativas ao proletariado com sua revolução


As “forças da ordem” se voltam contra as condições de organização e de desenvolvimento independente dos proletários enquanto classe; contra os sindicatos e partidos proletários ou identificados com o proletariado, que desenrolem uma propaganda política revolucionária. O movimento repressivo ataca, nos dois níveis centrais, a posição proletária na luta de classes. Qualquer ganho no primeiro nível, oferece à burguesia a vantagem de uma debilitação estrutural e prolongada das classes destituídas e subalternas. Estas são confinadas à “apatia”, não encontram na ordem capitalista condições para a própria constituição e fortalecimento como classe independente. A “apatia das massas” é um produto político secretado pela sociedade capitalista e manipulado pelas classes dirigentes. Qualquer ganho no segundo nível, permite à burguesia reduzir o alcance e os ritmos históricos da luta de classes, porque se quebra a espinha dorsal do movimento proletário – a sua vanguarda de classe e política. A intervenção, nesta área, visa impedir ou solapar os riscos que a atividade revolucionária do proletariado possa acarretar para a “supremacia burguesa” e sua dominação de classe, e eliminar ou reduzir os conflitos de classes que possam engendrar crises profundas e aproximar as classes destituídas e oprimidas da conquista do poder.


Não estamos mais no “ambiente pioneiro” dos primeiros processos de industrialização. Nem a via inglesa nem a via francesa podem mais ser tomadas como modelos: a mudança social espontânea não produz mais os mesmos efeitos. Porque a burguesia já aprendeu a receita e pode impedir, no nascedouro, transformações importantes para as classes trabalhadoras. Mas, principalmente, porque existe um forte componente universal de pressão contrarrevolucionária nas reações burguesas autodefensivas: esmagar enquanto é tempo tem sido a receita primária e eficaz posta em prática nos tempos atuais. Esse esmagamento sistemático produz um proletariado anêmico e com fraca base estrutural para movimentar a luta de classes. Torna-se um “inimigo débil”, fácil de ser encurralado ou “fácil de contentar”.


Esse esmagamento se faz a partir de muitas tenazes que visam fragmentar as classes trabalhadoras, no campo e nas cidades. As tenazes vão da manipulação das leis, da polícia militar e dos tribunais de trabalho até os quadros de dirigentes sindicais e partidários ideologicamente perfilhados à burguesia e politicamente presos às compensações da ordem. Mas, também vai do controle ideológico e político dos sindicatos e partidos operários até à atuação do aparelho estatal. É “natural” para a burguesia ser e afirmar-se como uma classe: ela dispõe da ordem legal e nega a condição de classe como um “fator de distúrbio, de insegurança ou de desunidade”. Com isso, a condição de sua existência como classe tende a converter-se na condição de eliminação, alinhamento e capitulação passiva das outras classes


As alterações históricas mostram que os sindicalistas, socialistas, anarquistas e comunistas precisam devotar uma atenção mais séria e concentrada às novas formas de mudança social deliberada que precisam ser postas em prática no presente, se se pretender galvanizar a constituição do proletariado como classe independente e intensificar o seu desenvolvimento como tal. A burguesia tomou a dianteira, em muitas esferas, através dos movimentos em que se envolvem o trabalho social e o serviço social como “fator de equilíbrio da ordem” e de consolidação da “autonomia comunitária”. Propalam-se os objetivos da cultura cívica, da mobilização popular e da participação ativa dos carentes na solução de seus problemas. Mas, deixa-se na penumbra o fato de que os “carentes” não têm como equacionar seus problemas e resolvê-los na sociedade capitalista. A saída seria de deixar de ser “carente” através da proletarização e da luta de classes, forçando-se o revolucionamento da ordem democrático-burguesa até seus limites e a destruição revolucionária dessa ordem. Para isso, o movimento sindical e os partidos proletários têm de libertar-se de certas vias tradicionais que privilegiam a mudança social espontânea, o crescimento gradual e o aburguesamento da luta de classes.


A burguesia põe em prática uma estratégia de luta global e os proletários devem fazer o mesmo. Pelo menos a fábrica, o sindicato, o local de existência da família, com alguma forma de organização partidária e de pressão direta sobre o Estado, podem ser mobilizados de forma permanente. A constituição do proletariado como classe independente abrange essa irradiação estrutural e dinâmica. Ao contrário do que ocorria quando os proletários europeus não constituíam uma classe e estavam no vir a ser da classe, hoje impõe-se um mínimo de poder real, como ponto de partida. Não o poder do sindicato ou o poder do partido poder mediado, mas o poder intrínseco à classe, análogo ao que serve à burguesia para armar, manter e reproduzir sua dominação de classe e seu controle direto e indireto sobre o Estado. A violência da repressão, inerente à contrarrevolução burguesa prolongada, exige essa forma elementar de contrapoder sobre a qual terá de se sustentar o crescimento orgânico do proletariado como classe independente, em escala nacional. Esse movimento básico tem de encontrar apoio nos sindicatos e nos partidos operários que não podem fomentá-lo e dirigi-lo porque dependem da sua existência para ganhar autonomia, crescer e incorporar-se a dinâmica mais avançada e madura de luta de classes. Só depois que essa atividade direta produzir certos frutos e um patamar de amadurecimento médio, a classe pode deslanchar sem que seja permanentemente pulverizada e esmagada pela pressão burguesa “espontânea”, “legal” e “organizada”. O contrapoder operário se diferenciará e crescerá quando a classe assumir os contornos morfológicos e dinâmicos da classe em si, como poder real suscetível de operar como contrapeso ao poder burguês e de conferir aos proletários e suas organizações a base social e política para movimentar a luta de classes, em todas as direções estratégicas, contra a supremacia burguesa às pugnas pela conquista do poder.


Trata-se de estabelecer um patamar histórico a partir do qual eles possam funcionar para os trabalhadores, não para a ordem existente. Sem a existência de um proletariado constituído como classe independente, não haverá sindicatos e partidos operários independentes. As diversas formas de união de organização do proletariado são essenciais para a luta de classes e, principalmente, para que a classe em si possa evoluir e afirmar-se como classe em si e para si, classe com tarefas revolucionárias. Os sindicatos e partidos operários ainda são as organizações mais ativas e eficientes, em escala nacional, na luta de classes do proletariado. Mas, só contam com a cena histórica apropriada quando a luta de classes propõe a redução da supremacia burguesa por parte das classes destituídas e subalternas. A partir daí, juntam-se duas coisas decisivas: os proletários secretam uma vanguarda própria e esta pode lançar-se na luta de classes sem as inibições burguesas. O exemplo dessa vanguarda arrasta à luta de classes o grosso do proletariado e comove outros setores de classes, como os camponeses pobres e alguns segmentos dissidentes das classes médias. O marco político de luta se alarga e se aprofunda – e a massa que se mobiliza contra a ordem burguesa deixa de ser tão somente uma massa proletária.


É nesse nível histórico do desenvolvimento da luta de classes que algumas organizações operárias (o sindicato e o partido) ganham relevo, no plano econômico, social e político. O sindicato possui um âmbito de ação que permite revolucionar a relação do operário com o trabalho, a empresa e a dominação econômica da burguesia, direta ou por via do Estado. As greves constituem o caminho por excelência da aprendizagem política inicial e o primeiro patamar no qual a classe em formação demonstra a sua vitalidade e a sua capacidade de passar da “guerra civil oculta” para a “guerra civil aberta”. Os teóricos do sindicalismo revolucionário exageraram o papel criador da greve (greve geral). Não obstante, a greve geral permite romper as barreiras do economismo, da greve reivindicativa e contida dentro da ordem, e constitui um terreno fértil de educação do proletariado para os alvos políticos mais importantes da luta de classes. Nem sempre será um chamamento para a insurreição, mas sempre provoca alterações decisivas no que se refere à disciplina operária, ao emprego de técnicas de agitação e de propaganda, recrutamento e promoção de quadros combativos, até as que dizem respeito à superação do sindicalismo pelo transbordamento da atividade grevista, à criação de vínculos de solidariedade na classe trabalhadora e com outras classes assalariadas, à ativação dos partidos operários e à reeducação da burguesia nas “atitudes autoritárias” e comportamentos egoísticos dos estratos dirigentes das classes dominantes.


O grau de aproveitamento de toda essa fermentação criadora depende da fluidez dos sindicatos diante da atividade dos partidos operários e da identificação revolucionária dos partidos operários frente a luta econômica, social e política para abalar ou reduzir a supremacia burguesa e vincular a luta de classes à conquista de poder pelo proletariado. A formação de modelos rígidos prejudicou sindicatos e partidos; aqueles privilegiaram demais a luta reivindicativa, o reformismo gradual e “conquistas democráticas”, pelos exemplos europeus e norte-americanos; os últimos “autonomizaram” demais a centralização de comandos políticos tidos por revolucionários, graças a uma cópia errada do bolchevismo na sua fase de apogeu.


Foram os partidos que sofreram com maior violência a repressão da ordem e, por isso, refletiram de modo mais concentrado a necessidade de autoproteger-se e atacar com cuidado. Nessa evolução, o exemplo soviético deixou de ter qualquer valor e os partidos operários mais congruentes foram levados ou à acomodação passiva com a burguesia ou à prioridade indiscutível do partido sobre a classe. Então, o socialismo e o comunismo deixaram de ser um concomitante estrutural e dinâmico do crescimento do proletariado como classe. Os partidos voltaram-se para o proletariado, mas sua ótica não era nem socialista nem comunista: em vez de favorecer a constituição e o desenvolvimento independente do proletariado, tenderam a converter a classe proletária numa espécie de presa política e de massa de manobra. Com isso, resolviam seus problemas práticos de relacionamento com a ordem e de resposta à intimidação das classes possuidoras e seus círculos dirigentes. Essa técnica adaptativa retirou vários segmentos das classes trabalhadoras da apatia forçada e do isolamento político.


Impõe-se alterar a relação do partido operário com a classe trabalhadora e com a sociedade. A contrarrevolução prolongada atinge a consciência proletária e a solidariedade ativa do proletariado na luta de classes. A pressão é feita para a neutralização e “mobilização democrática” e “pacífica”. Só os partidos operários possuem condições de propagar o socialismo e o comunismo no interior das classes destituídas e oprimidas. Não basta o crescimento do proletariado e o fortalecimento do sindicalismo como “corporação”. É preciso que a expansão das classes trabalhadoras seja acompanhada da proletarização política revolucionária – movimento político que mude a relação dos proletários com a ordem e sedimente a luta de classes, para conversão da revolução dentro da ordem em uma revolução contra a ordem.


Isso não nasce de qualquer “espontaneismo” operário. Precisa ser visado de modo explícito, pois a luta de classes precisa ser orientada em sua direção de forma planejada. Neste momento, em que a burguesia pretende eliminar todas as outras filosofias políticas e impor à sociedade a “filosofia da livre empresa”, o grau de saturação socialista e comunista da consciência proletária e do comportamento político do proletariado constitui a garantia efetiva de que a luta de classes corresponderá aos ideais de extinção do capitalismo e eliminação das classes. Acresce que a dominação burguesa possui dois polos desiguais, onde o polo externo e imperialista possui um poder de pressão contrarrevolucionária muito mais forte. Em vez do frenesi por palavras de ordem contra o imperialismo, é necessário educar politicamente os proletários para distinguir a sua revolução da revolução burguesa e querer algo coletivamente: a transformação socialista da sociedade. O socialismo não transforma o mundo: são os proletários identificados com o socialismo revolucionário que o faz


A vitória do socialismo não simplificou nem facilitou a trajetória da revolução proletária nos países capitalistas, no centro e na periferia. Na situação histórica atual, o consumo de massa e a classificação pelo emprego alteram o contexto da constituição do proletariado. As pressões externas da sociedade atuam de modo camuflado para identificar os destituídos e oprimidos com as ilusões democráticas e constitucionais para envolvê-los na trama da dominação burguesa e da lealdade ao Estado burguês. O aburguesamento dos oprimidos e deserdados constitui uma força atuante e multifacetária que precisa ser combatida de frente, através da proletarização da consciência das massas, às vezes, sem contar com uma base material e social de classe suficientemente sól


A contrarrevolução não deixa tempo à revolução. Ou os proletários são ganhos para a luta contra a ordem ou a ordem se reproduz graças a uma violência ultrarrefinada e concentrada, que a contrarrevolução manipula com eficácia. Não há como se evadir ao dilema nem alterar a ordem natural das coisas, a marcha da constituição da classe, a evolução da luta de classes e a natureza dos papéis revolucionários do proletariado. Pode-se pensar numa mudança de estratégia política – incentivar os proletários a sentir a necessidade de antecipar a demonstração de seu contrapoder e reexaminar o modo pelo qual a ótica socialista e comunista tem sido usada na saturação do horizonte cultural do proletariado. O estrangulamento se dá porque os partidos socialistas avançaram em direção a uma defesa do “socialismo democrático” que colide com a substância socialista da revolução proletária e tornaram-se o setor ultrarradical da burguesia. E a ótica comunista voltou-se demais para as funções revolucionárias do partido e deixou um vazio histórico nas relações dialéticas com o proletariado e a dinamização proletária da luta de classes.


Nesse intervalo histórico, a burguesia ganhará uma vantagem decisiva. Além de dividir os que deviam facilitar a concentração política das forças da revolução, pela lógica das opções e alianças se beneficiará com o apoio tácito ou a retração das parcelas das forças da revolução que resvalaram para posições contrarrevolucionárias. Junto com a tentativa de esmagamento do proletariado como classe, presente na ótica burguesa e mais ativa graças à contrarrevolução prolongada, soma-se uma negligência cega dentro das esquerdas quanto à qualidade da revolução proletária. Começa-se e depois se verá foi uma norma que movimentou alguns avanços no “elo débil”, mas não pode ser convertida em norma geral ou princípio unificador da revolução proletária. O desenraizamento do proletário se alicerça em suas condições de trabalho e de existência. Todavia, há uma distância muito grande entre um proletariado “idealmente” desenraizado e um proletariado revolucionário. A eficácia do cerco capitalista às revoluções proletárias vitoriosas e as revoluções proletárias possíveis, se funda no conhecimento dessa distância e no aproveitamento de tal conhecimento no “controle da mudança social revolucionária”.


A contrarrevolução burguesa atreve-se a ir longe para resguardar-se de um risco mortal; a revolução socialista marca passo, avançando com prudência e em oscilações, cujos fatores determinantes se encontram nas próprias debilidades conjunturais do capitalismo mundial. É a evolução natural da sociedade de classes que pontilha o gradiente das revoluções proletárias. Onde surge uma situação revolucionária, surge também a oportunidade histórica para acelerar a rebelião das classes subalternas e oprimidas, dinamizar a luta de c


Chegou o momento para se pensar em uma estratégia global que redefina a relação de partidos socialistas revolucionários e partidos comunistas, com a constituição do proletariado como classe, o deslocamento ou a aniquilação da supremacia burguesa e a conquista do poder político pelo proletariado. Seria preciso passar do “aproveitamento de oportunidades históricas” para a criação de oportunidades históricas. A própria aceleração do movimento político do proletariado seria um fator de radicalização crescente da revolução. O socialismo e o comunismo não são “promessas de uma geração”, eles constituem a alternativa que os proletários possuem à ordem capitalista existente. Desde que eles descubram isso e se devotem, com firmeza, coletivamente, ao propósito de converter a alternativa em realidade, o capitalismo das grandes corporações e do imperialismo onipresente estará condenado.


5. Revolução nacional ou revolução proletária?


A maioria dos países de origem colonial sofreu um desenvolvimento capitalista deformado e perverso. Muitos não lograram ter um desenvolvimento agrícola entrosado com o desenvolvimento urbano e poucos conseguiram um patamar de desenvolvimento industrial capaz de alimentar a formação de um proletariado industrial denso. Como consequência, não conheceram as reformas típicas da revolução burguesa como revolução agrícola, urbana, industrial, nacional e democrática. Outros países, de burguesias débeis e articuladas a aristocracias poderosas ou a burocracias influentes, conduziram a transformação capitalista a níveis altos, compensando o poder econômico, social e político da burguesia pela centralização política (Alemanha e Japão) e produziram grandes manifestações dos tempos modernos da civilização industrial capitalista


Os povos de origem colonial ou não partilharam da evolução do capitalismo, ficando à margem das vantagens dessa civilização ou participaram dela como colônias, semicolônias e nações dependentes. Isso gerou várias formas de desenvolvimento captalista controlado de fora e voltado para fora em que estruturas e dinamismos de suas economias e sociedades estavam nucleados a centros externos que exerciam ou compartilhavam do comando da exploração capitalista. Alguns países de origem colonial coheceram o não desenvolvimento, outros o subdesenvolvimento, e todos tiveram enormes parcelas da riqueza nacional transferidas para o exterior, alimentando o esplendor do florescimento do capitalismo na Europa, Estados Unidos, Japão


A revolução burguesa constituiu um problema para esses países. O sistema de produção não era bastante diferenciado e dinâmico para servir de base a uma diferenciação do regime de classes. Suas burguesias ou eram “burguesias compradoras” ou burguesias fracas para arcar sozinhas com o peso econômico, a responsabilidade social e os riscos políticos inerentes à revolução burguesa. Em vários deles, a tentativa de “acelerar” a transformação capitalista pôs a descoberto as debilidades das classes burguesas internas e a oposição do imperialismo e a resistência das classes burguesas externas em permitir modelos de desenvolvimento capitalista independentes que escapassem ao colonialismo, neocolonialismo e à dependência em sentido restrito ou específico. Em consequência, movimentos revolucionários que se solidarizavam com as burguesias “nacionais” se descartaram delas e realizaram tipos de revolução que escapavam do controle imperialista e do modelo de desenvolvimento capitalista. Algumas das principais revoluções proletárias de nossa época têm essa origem e a opção pelo socialismo se deu exatamente para enfrentar e resolver problemas e dilemas sociais que o capitalismo colonial, neocolonial e o capitalismo dependente não se coloca.


Isto levou os países capitalistas centrais a uma alteração estrutural nas suas relações com a parte da periferia com maiores potencialidades de desenvolvimento capitalista: eles forjaram uma transformação capitalista na qual a burguesia internacional desempenhava uma função equivalente à da aristocracia e à da burocracia nas vias “alemã” e “Japonesa”. Faltando um Estado centralizado e “absoluto”, o que se conseguiu recorrendo-se à militarização das estruturas políticas estatais e a uma articulação política entre o setor militar, o setor empresarial e as classes burguesas externas. Assim, as ditaduras “salvadoras” e “modernizadoras” não camuflavam um arranjo como as “burguesias compradoras” costumavam e costumam fazer. Elas exprimiam a constituição de um Estado burguês autocrático e que devia tirar a crônica crise do poder burguês, na periferia de seu perigoso ponto morto. As revoluções burguesas em atraso ganharam a cena histórica, mas destituídas da maioria das funções e tarefas revolucionárias ou reformistas que cercam os “casos clássicos” e “versões atípicas”. O objetivo central era criar, para a burguesia interna e externa, um modo de aprofundar a transformação capitalista na esfera econômica, transferindo para um futuro incerto o atendimento de outras transformações que não poderiam ser realizadas de modo concomitante.


São alguns fatos crus, essenciais para um debate atual da orientação que deve ser imprimida à estratégia da luta de classes na periferia, em países que contam com desenvolvimento industrial de certo porte. Em nome do “combate ao imperialismo” ou da “democratização interna” devem as classes oprimidas dar apoio aos “setores nacionalistas da burguesia”, batendo-se ao lado das “forças mais avançadas” das classes dominantes pelo aprofundamento da revolução burguesa? Tal debate não é novo e em quase todos os países da América Latina ele empolgou a vida política através do chamado desenvolvimentismo. O ponto central do debate está na escolha entre revolução nacional ou revolução proletária. Socialistas e comunistas não entram nessa escolha já que ambos estão comprometidos com a revolução proletária. A única saída racionalizadora seria saber se “taticamente” seria vantajoso apoiar a revolução nacional como um expediente para forçar a burguesia a certas concessões, e um fortalecimento indireto do “Estado de direito”. Ou para “aumentar as contradições” do desenvolvimento capitalista, abrindo cunha entre o setor progressista e o mais retrógrado da burguesia interna, e entre ambos e o imperialismo.


Essa saída constitui um expediente para as “forças da esquerda” quando deixam de cumprir suas tarefas políticas específicas e, em vez de enfrentarem sua debilidade, buscam no biombo da revolução nacional uma forma equívoca e evasiva de ilusão constitucional. O que se pôs em prática foi um típico comportamento de cauda da burguesia, porém destituído de lógica política proletária. Se se pusesse, em primeiro plano, a luta pela consolidação do proletariado como e enquanto classe, a área de conflito com a burguesia seria pequena e a força da causa proletária muito maior. Haveria uma acumulação de forças através do desenvolvimento da classe e, como consequência, a formação concomitante de um espaço histórico que tenderia a crescer através do próprio uso pela manifestação dos conflitos de classe.


Assim, seria possível formular o apoio à burguesia em termos proletários: não dos interesses de facções da burguesia, mas de defesa combativa do aprofundamento de certos níveis da revolução burguesa. A reforma agrária, a reforma do sistema de saúde e do sistema de educação, o caráter da revolução nacional e a democratização dos direitos civis e políticos estavam entre tais níveis. A linha tática teria de definir-se mediante exigências socialistas: é muito difícil, para um proletariado em formação, entender alianças táticas se as reivindicações não forem feitas numa linguagem proletária e sem qualquer suberfúgio. Não obstante, o que as classes dominantes deixam crescer como problemas e dilemas sociais e não resolvem pelos dinamismos da ordem, é suscetível de receber uma atenção combativa das classes trabalhadoras e constituir reivindicações de conteúdo socialista e atendimento imediato.


Essa tática, além de não lançar confusão nos grupos de vanguarda e nas massas populares, favoreceria um isolamento político crescente das facções mais antidemocráticas e reacionárias da burguesia e ajudaria a quebrar o monolitismo das classes dirigentes. O próprio imperialismo teria uma base menor de manobra, pois teria de se defrontar com uma burguesia que levaria em conta a sua relação com parte das classes trabalhaoras. O que exige reflexão são os custos políticos de uma manobra desse gênero. Para que ela pudesse concretizar-se seria necessário investir muito tempo em produção intelectual, em propaganda, em difusão da palavra de ordem e em mobilização de aderentes e simpatizantes. Seria essa uma escolha prudente, não seria melhor investir tanto talento e esforços no aprofundamento em duas frentes da luta de classes? Isso não levaria a ignorar a revolução burguesa e implicaria na análise das debilidades orgânicas e históricas das classes dominantes e do que se ocultava por trás de seu pró-imperialismo crônico.


Tomando-se casos similares de países de origem colonial e de economia capitalista dependente, tal análise mostra o que se exigia das classes possuidoras: que só aprofundem a revolução burguesa em função de seus interesses de classe, do egoísmo e da cegueira que as levou a congelar a descolonização; que mantenham a democracia como fórmula ritual de concentração do poder político estatal nas mãos dos setores dirigentes da burguesia; que procrastinem a revolução nacional; que procurem no imperialismo os recursos e os meios que permitam compensar suas debilidades estruturais e históricas. Se um painel desses se traduzisse em medidas práticas de sentido proletário, a mobilização não se faria para fomentar slogans, mas para levar as pequenas forças organizadas das classes trabalhadoras a uma luta política coerente do pouco que restava à revolução dentro da ordem.


Um partido proletário não pode situar-se diante da revolução nacional como se ela fosse a antecâmara da revolução proletária, como se pudesse passar de uma a outra, e que a consumação da revolução nacional, dentro do capitalismo, seria uma etapa necessária e prévia da revolução proletária. O que fortalece a burguesia e consolida o capitalismo torna mais remota e difícil a revolução proletária. Por essa razão, a revolução dentro da ordem não é um objetivo intrínseco ao movimento proletário. O proletariado não pode pretender desempenhar as tarefas revolucionárias da burguesia e funcionar como fator de compensação histórica. A revolução dentro da ordem é instrumental e conjuntural para o proletariado, ligado à necessidade histórica de proteger e acelerar a constituição da classe como classe em si, capaz de tomar em suas mãos o seu desenvolvimento independente. A partir de certo nível, o proletariado força a mudança de qualidade da “guerra civil oculta”, exige que as reivindicações socialistas mudem de teor, pondo em xeque a supremacia burguesa e o poder político da burguesia. A partir daí, o proletariado terá de hostilizar todas as criações do capitalismo; sua relação com a revolução burguesa mudará de qualidade. Passará a importar-se em como passar da “guerra civil oculta” para a “guerra civil aberta”, ou seja, a derrubada da ordem e a constituição de uma democracia proletária.


Se a burguesia não dispôs de força econômica ou ânimo político para atingir fins tão centrais, que é levar a revolução nacional até o fim, em termos capitalistas, nem por isso seria essencial pretender abrir aí uma frente de luta com o imperialismo. Fustigar e desgastar a burguesia para que ela não possa manter-se pró-imperialista seria a maneira inteligente de combater o imperialismo. Seria um modo de roubar-lhe aliados dóeis na periferia e diluir a base social, econômica e política da incorporação dos espaços periféricos a espaços centrais. Essa ação revelaria também se, dentro da burguesia, há aliados autênticos para tal evolução política.


Numa situação em que as “forças da ordem” empunham abertamente a bandeira da contrarrevolução prolongada (nacional e mundialmente), seria curioso situar a revolução nacional como uma “frente de luta comum” entre burgueses e proletários. Está comprovado: as burguesias dos países capitalistas dependentes privilegiam a aceleração do desenvolvimento capitalista; não privilegiam o desenvolvimento capitalista independente. Essa opção histórica traduz uma prioridade estratégica para as burguesias da periferia e do centro. “Aberturas democráticas”, “centros nacionais de decisão”, “desconcentração da renda” etc. são pura retórica. A realidade está posta na contrarrevolução prolongada, de amplitude mundial. Ela não se casa com os papéis e funções que a revolução nacional teve, nas primeiras versões da revolução burguesa. Hoje, o desenvolvimento do capitalismo não passa pela revolução nacional, por uma razão simples: onde a revolução nacional constituir uma necessidade histórica, terá de opor-se ao capitalismo. As revoluções nacionais que se atrasaram são revoluções nacionais que não puderam desatar- -se e completar-se dentro do capitalismo. Agora, têm de voltar- -se contra ele. Isso define a relação recíproca da burguesia com o proletariado no plano mundial: a revolução nacional já não é instrumental para o desenvolvimento capitalista (tornou-se disfuncional para ele). Para que a revolução nacional ganhe viabilidade em muitos países periféricos, é preciso que as revoluções proletárias quebrem as amarras de seu estancamento ou paralisação. Os partidos proletários que não dispõem de condições históricas para caminhar nessa direção precisam escolher com cuidado os temas de sua luta política atual.


As condições históricas para caminhar nessa direção não são tão simples. No contexto latino-americano, o melhor exemplo é Cuba. Para que o nacionalismo possa assumir a forma revolucionária e libertária é preciso: a) que a descolonização não tenha desaparecido na memória viva das classes; b) que nas classes destituídas e oprimidas exista uma forte propensão coletiva de buscar, pela revolução nacional, a instauração da democracia, a redenção dos humildes e o desenvolvimento equilibrado e independente. A derrota do centro imperial opressor constitui um objetivo central, mas externo. O essencial é liberar a nação e eliminar todas as sequelas da sociedade colonial que foram reconstituídas e fortalecidas sob a “sociedade nacional”, pelo capitalismo neocolonial. O programa do Movimento 26 de Julho respondia a essa lógica política revolucionária, sem vassalagem a padrões burgueses europeus obsoletos. No poder, os guerrilheiros congraçaram todas as classes à concretização desse nacionalismo revolucionário e libertário.


A burguesia imperialista dos EUA repudiou; a burguesia nacional cindiu-se e o grosso sabotou e combateu como pôde o governo revolucionário, até ser expulsa da coligação governamental e converter-se em vítima necessária. Os proletários das cidades e do campo apoiaram, em massa e entusiasticamente, a revolução desde el poder, servindo de pião à rápida sucessão do estágio capitalista ao estágio socialista do governo revolucionário. É um exemplo de uma situação revolucionária que gera uma revolução. O importante é que ela atingiu o seu primeiro apogeu sob palavras de ordem revolucionárias que serviam à burguesia e aos proletários e no âmbito de uma transformação revolucionária que se fundava na nação e não na classe. A classe se mobilizou e se dinamizou revolucionariamente graças à comoção provocada pela guerrilha, às vitórias sucessivas dos guerrilheiros e à conquista do poder pelos revolucionários.


Quantos países da América Latina contariam com uma situação revolucionária análoga? Em quantos surgiria um grupo de revolucionários com o mesmo talento político, a mesma ousadia e a mesma prudência? Em quantos seria possível casar a situação revolucionária com a revolução nas condições atuais? Este questionamento não visa afirmar que “Cuba não se repetirá”. A resposta é parte do temor dos Estados Unidos e de burguesias nacionais reacionárias diante de um processo que terá de repetir-se, embora sem seguir obrigatoriamente “a via cubana”. É isso que tem de ser enfrentado e resolvido pelos que pensam com a lógica da revolução. O próprio êxito da Revolução Cubana impõe que seja redefinido o caminho da revolução proletária. A contrainsurgência está organizada, a partir dos EUA, para impedir que a revolução se reproduza da forma como ocorreu em Cuba. As burguesias nacionais latino-americanas prepararam-se para enfrentar militar e politicamente a repetição de tal eventualidade.


Da década de 1950 a 1980, o proletariado cresceu quantitativa e organizativamente em muitos países e seus aliados naturais, os camponeses, saíram ou estão saindo da “apatia condicionada”, imposta de cima para baixo pelas classes dominantes. Não existem situações revolucionárias a não ser em alguns países. Nesses, é duvidoso que delas resultem revoluções com êxito se os partidos proletários não se dedicarem à preparação do proletariado para passar da era das contrarrevoluções encadeadas para uma era de luta de classes aberta, organizada e firme. Chegou o momento de dizer adeus a pseudopalavras de ordem revolucionárias. É preciso escolher entre a social-democratização da esquerda e a paciente e laboriosa construção das vias históricas da revolução proletária na América Latina. Os que pensam que isso é impossível esquecem que as contrarrevoluções fermentam ódios coletivos e armazenam as energias revolucionárias das classes trabalhadoras e das massas populares. Foi assim na Rússia, China, Cuba. Nosso caminho pode ser mais difícil, mas não é inviável.


A ideia de que os conflitos deixaram de possuir uma base de classe fermentativa e revolucionária não deve levar ao desespero. A negação da ordem é uma função intrínseca à existência do trabalho livre e à reprodução do capital. Os que vendem o trabalho terão, mais cedo ou mais tarde, que se organizar para travar a última luta contra a propriedade privada e a apropriação capitalista. A menos que as classes possuidoras e dominantes se lancem à destruição do capitalismo, os conflitos de classe não poderão desaparecer. Eles poderão ser contidos e reprimidos, de forma prolongada. É isso que a contrarrevolução defensiva está realizando, em escala mundial. Mas, a civilização industrial se destruirá a si própria se o estágio da propriedade privada e da expropriação capitalista do trabalho não for ultrapassado, preservando-se os avanços que ela logrou obter na esfera da ciência e da tecnologia.


Os que vendem o trabalho e são expropriados é que podem impedir essa estagnação que seria involutiva ou regressiva. O capitalismo monopolista e imperialista dispõe de recursos inesgotáveis para levar adiante a opressão e a repressão, realizando a defesa violenta do status quo dentro de limites ainda desconhecidos. Ele não pode impedir para sempre a rebelião interior que terá de crescer como a semente sob a neve. Também não poderá obstar, indefinidamente, o refluxo histórico quando a implantação do comunismo quebrar a geleira forjada pela miopia democrática, a força inexorável dos grandes processos históricos. Mesmo nos momentos de maior desânimo e incerteza, cabe aos socialistas e aos comunistas trabalhar, mesmo na maior incompreensão e clandestinidade, a favor do curso da história e do advento de um novo padrão de civilização. Se a rota certa estivesse fechada para sempre, o mundo capitalista não se mobilizaria com tal furor para conjurar as revoluções proletárias. A contrarrevolução capitalista prolongada demonstra que o Manifesto ainda está em dia com as correntes históricas, embora fosse preferível dizer, atualmente: PROLETÁRIOS DE TODOS OS PAÍSES, O MUNDO VOS PERTENCE. IDE À REVOLUÇÃO MUNDIAL!


6. Como “lutar pela revolução proletária” no Brasil?


O Brasil contou com várias situações revolucionárias. Todas foram resolvidas dentro dos quadros da ordem e com a vitória das forças sociais conservadoras que sabem avançar nos momentos de maior risco. Em seguida, travam o processo de fermentação social e converter a transformação revolucionária em uma composição política. Esse padrão histórico de controle calculado da mudança social revolucionária não é fortuito nem um traço de inteligência das elites: é um produto do congelamento do processo de descolonização no qual a imensa parte do país ficou excluída, permanentemente, das formas sociais organizadas e institucionalizadas dos direitos civis e políticos.


A proletarização, vinculada à lenta generalização do trabalho livre, foi condenada a ter repercussões maiores apenas em âmbito local ou regional, cabendo a algumas cidades de grande porte a função de servir como amaciadores e câmaras de compensação. Isso conteve os conflitos de classes dentro de seus muros e segregou o proletariado em formação e expansão física do resto da “população pobre”. Ficou fácil concentrar socialmente o poder de controle político, jurídico e policial-militar sobre a sociedade, e afunilar os ganhos produzidos pelos surtos sucessivos do desenvolvimento capitalista. A composição das classes possuidoras e dominantes alterou-se, mantendo-se a mentalidade de elite dirigente organicamente senhorial e colonial. O Estado de direito tornava-se uma presa fácil de setores dirigentes das classes dominantes, empenhados em “impedir a anarquia da sociedade”, em tratar os problemas sociais “como casos de polícia” e em refazer as técnicas pelas quais a apatia provocada e o “fatalismo” conformista podiam ser produzidos conforme as exigências da situação.


No passado, a norma era: o escravo é o inimigo público da ordem. Hoje, a norma tornou-se: o camponês e o operário são o inimigo público da ordem. Portanto, uma forma ultraviolenta de despotismo superpôs-se à constituição do regime de classes e preservou um padrão neocolonial de sociedade civil, pelo qual a democracia é uma necessidade e regalia dos que são gente. Quando veio a chance de enterrar essa herança senhorial, os estratos civis e militares dirigentes das classes dominantes recorreram a uma contrarrevolução prolongada, reconstruindo pela força bruta o mundo de seus sonhos. Esse era o mundo dos sonhos das “nações capitalistas amigas”, numa fase em que o capitalismo financeiro leva suas formas de produção, de mercado e de consumo para as “nações estratégicas” da periferia.


Nos últimos vinte e cinco anos, houve ampla transferência de capitais, tecnologia avançada e quadros empresariais técnicos e dirigentes e a economia e a sociedade brasileiras foram multinacionalizadas, com a cooperação organizada entre capitalistas, militares e burocratas brasileiros com a burguesia mundial e seus centros de poder. O Estado burguês converteu-se na ditadura civil-militar e promoveu a centralização de poder garantiria a base econômica, a estabilidade política e a segurança dos investimentos, na escala requerida pelo imenso “negócio da China” em que se tornou a internacionalização dos recursos materiais e humanos do Brasil.


O que interessa ressaltar nesse quadro global é: a) a relação siamesa entre burguesia nacional e burguesia externa. Elas não são mais divididas e opostas quando o capitalismo atinge o seu apogeu imperialista e a divisão mundial do trabalho deixa de operar como um fator de especialização econômica; b) a universalidade de processos de autodefesa agressiva do capitalismo que vai do centro para a periferia e exacerba-se nesta, onde o regime de classes não pode funcionar para preservar certos fluxos democráticos da República burguesa; c) a drenagem de recursos materiais e de riqueza da periferia por meio de mecanismos mais complexos, implantados nas estruturas mais dinâmicas e produtivas das economias periféricas estratégicas, e a institucionalização de uma taxa de exploração da mais-valia muito mais alta, criando para o proletariado um dilema econômico; d) um agravamento súbito e persistente de tendências crônicas do desenvolvimento desigual e combinado; a modernização e a industrialização são “internacionalizadas”, o que faz com que o impacto sobre o crescimento do mercado interno, a ampliação da oferta de trabalho e o aprofundamento da revolução burguesa seja amortecido, conferindo à situação de dependência em uma relação neocolonial; e) graças à diferenciação do sistema de produção, à industrialização maciça e ao crescimento das forças produtivas, o regime de classes passa por três transformações concomitantes. Primeiro, aumenta em números e em diferenciação mais pronunciada das classes; depois, entra na fase na qual os proletários se constituem como classe em si e começam a lutar por seu desenvolvimento independente como classe; em terceiro, deixa de operar como parte do universo urbano-industrial, atingindo com fluidez os que estão proletarizados e os que aguardam a proletarização. Isso representa o início da quebra do isolamento entre os operários e o resto da população pobre, e maior fluidez, em escala nacional, dos conflitos de classe movidos pelo proletariado.


Esse quadro global ressalta que a vitalização da revolução burguesa em atraso trouxe muitas vantagens econômicas para a burguesia interna e acarretou um aumento de sua força como classe. Ela pode dispor de um sistema de produção mais avançado e conta com u potencial de defesa e agressão que precisa ser medido na órbita imperial. Os proletários e a massa da população pobre também tiveram algumas vantagens relativas. As mais importantes relacionam-se com a diferenciação do regime de classes, com o aparecimento de uma vanguarda operária e sindical mais organizada e mais disposta a dinamizar a luta de classes em termos proletários e à incapacidade das classes dominantes internas e externas de ultrapassar a crise do poder burguês. As classes burguesas lutam para remover a exacerbação ditatorial da situação contrarrevolucionária. O mais que conseguem é disfarçar o complexo institucional introduzido na República burguesa pela ditadura de classe e tentar diluí-lo em um sistema “constitucional” e “representativo” adaptado à defesa do Estado, pronto para conter e reprimir os de baixo. Isso significa que a crise do poder burguês está presente e oscilante. As classes burguesas não podem fixar livremente suas vantagens econômicas, não podem estabelecer os limites sociais e políticos ou graduar os ritmos da revolução nacional e da revolução democrática. Estas oscilaram para baixo e, se não estão sob controle dos proletários e da população pobre, não podem ser determinadas independente do que estes setores da sociedade estejam maldispostos a tolerar. A ditadura gerada pela crise do poder burguês não pôde sanar seus males de origem e criou algo extraordinário: uma situação histórica que possui uma vertente contrarrevolucionária e outra revolucionária.


As forças burguesas oscilaram para a primeira vertente e não lograram quebrar o impasse do poder burguês. Contudo, não se arriscam a fazer uma marcha a ré, por temerem os riscos inerentes a tal recomposição e por conhecerem que são débeis demais para desencadear as transformações sociais e políticas da revolução burguesa que foram sufocadas ou restringidas. As forças proletárias não dispõem de meios para soltar as amarras da vertente revolucionária e os grupos organizados que lutam a seu lado temem, por interesses de classe ou inibição política, ir além do aprofundamento da revolução burguesa. Por isso, se batem menos contra a ditadura que pela volta ao Estado de direito que traga uma Assembleia Constituinte. Para uns, isso traria a revolução nacional e a democrática de volta à cena histórica e para outros seria o embrião da presença crescente dos de baixo no controle popular do Estado burguês, abrindo perspectivas para um socialismo a partir do poder.


Nos dois extremos, prevalece uma interpretação cataclísmica diante dessa situação histórica. A “direita” se imobiliza porque não confia na massa do povo e se predispõe a defender soluções rígidas que levariam a contrarrevolução ao fascismo. A “esquerda” não avança na defesa ativa das próprias posições porque dá ao advento do fascismo o caráter de fato inexorável. Teme “provocar o leão com vara curta” e prefere colaborar com certos setores da burguesia em plena ditadura, sustentada no poder civil e militar e no que estas podem fazer para bloquear o desgaste de uma situação contrarrevolucionária que criaram com as próprias mãos.


Passar de uma contrarrevolução em desgaste e de uma ditadura questionada para o fascismo seria não uma prova de desespero, mas uma prova de força. De onde tirar a base econômica e social de poder real para realizar tal proeza? Possui a articulação de forças capitalistas que ainda sustentam a República burguesa autocrática, necessidade ou interesse em aumentar a pressão da caldeira? Ou possuem os setores decisivos da burguesia financeira e tecnocrática, cujo peso está nas grandes empresas e empresas “multinacionais”, alguma vantagem em lançar-se em tal aventura para tolher uma recomposição do poder burguês? O risco que as esquerdas enfrentam não é o de um fascismo iminente, é o de uma saída pelo centro das forças sociais da burguesia. A revolução burguesa foi aprofundada na esfera econômica. Agora, terá de ser aprofundada nas esferas social, cultural e política, queiram ou não as elites dirigentes das classes dominantes e os segmentos capitalistas, nacionais e estrangeiros. O que as classes dominantes podem fazer é ganhar tempo, reduzir os ritmos e a intensidade da transformação da ordem social competitiva. Devem começar a aprendizagem sobre o sentido de palavras e de práticas como “consentimento”, “anuência”, “tolerância”, “liberdade”, “cooperação”, consensos etc.; sabotar ou e travar mudanças revolucionárias dentro da ordem que elas combateram com tenacidade. É esta perspectiva política que deve preocupar os que atacam o capitalismo e não as burguesias, os que não querem só o “aperfeiçoamento da ordem”, mas a destruição da ordem existente. Os socialistas revolucionários e os comunistas têm de realizar uma gravitação que os coloque adiante das transformações histórico-sociais em processo e da relação que as forças burguesas mais avançadas procurarão desenvolver com a sociedade global. Só assim poderão evitar o “jogo do adversário” e agir com uma racionalidade revolucionária proletária. Até há pouco tempo, partidos que se tinham como socialistas revolucionários e comunistas podiam imaginar-se como uma vanguarda proletária. O proletariado incipiente não possuía uma autêntica vanguarda de classe e a existência de palavras de ordem “revolucionárias”, de teor inconformista, reformista ou socialista, dependia da simulação de uma vanguarda política atuante. Nos últimos trinta anos (com a industrialização maciça, com tecnologia avançada e intensiva no uso do capital), a formação da classe se adiantou muito. Os que defendem posições típicas do socialismo revolucionário e do comunismo precisam colocar-se na situação de classe dos proletários e caminhar por dentro da classe para fazer parte de sua vanguarda. Trata-se de uma proletarização de partidos; antes só podiam ser operários de nome embora fossem revolucionários, por defenderem e propagarem doutrinas revolucionárias e correrem todos os riscos que isso acarretava.


A primeira consequência dessa transformação que os socialistas revolucionários e os comunistas não podem ignorar aparece no emprego correto da ótica do socialismo revolucionário e do comunismo. A lua de mel com a burguesia, com o nacionalismo burguês, com o radicalismo burguês está acabada! Não se trata de sair dando coices, de ficar na ilusão ingênua do “quanto pior melhor”. Mas de estabelecer, como parte da vanguarda da classe operária, como esta deve manejar a luta de classes com objetivos políticos bem marcados, de curto, médio e longo prazo. Ao impedir que os antagonismos existentes só produzam dividendos políticos para as classes dominantes, os socialistas revolucionários e comunistas estarão cumprindo tarefas revolucionárias essenciais. Colocarão sua experiência e sua visão dos processos a serviço dos proletários, favorecendo sua socialização política revolucionária no dia a dia da luta de classes, a constituição de quadros treinados e o crescimento seletivo da própria vanguarda da classe. Estarão convertendo os seus partidos em partidos proletários por sua composição, por sua orientação e por sua prática cotidiana. Ao mesmo tempo, procurarão reeducar-se e ressocializar-se: seria funesto que não ocorresse uma proletarização da consciência social dos revolucionários militantes e dos partidos revolucionários. Mesmo que o revolucionário possua origem operária e experiência proletária prévia, precisa ser moldado pela classe, não a classe por ele! Caso contrário, o proletariado caminhará numa direção e o que deveria ser o partido da revolução proletária, caminhará em outra, cavando-se um fosso entre ambos. Além disso, o partido proletário não poderá colocar-se momentaneamente contra a classe, se as circunstâncias o exigirem, sem perder sua confiança e sem comprometer sua base social de poder real que lhe permite agir tática e estrategicamente como a vanguarda política, da vanguarda da classe na luta pela revolução.


Seria preciso levar em conta “os caminhos da revolução proletária”. Todas as revoluções proletárias deste século, com a exceção da revolução cubana, tiveram um período de incubação de vinte a trinta anos e foram favorecidas por comoções de âmbito mundial do capitalismo. Seria uma típica manifestação de extremismo infantil pretender aproveitar o nem uma coisa nem outra da situação histórica para precipitar a vertente revolucionária sem qualquer consolidação prévia das posições revolucionárias do proletariado. Se um acontecimento imprevisto desencadeasse uma vertente revolucionária, os partidos revolucionários devem aproveitá-la, indo, na medida do possível, à luta pelo poder. Apesar da crise atual, isso não se configurou como uma possibilidade à vista. O que resta é encarar a rota mais difícil, em função das responsabilidades que um partido revolucionário do proletariado deve enfrentar nas condições presentes. Esse partido terá de delimitar suas atividades concretas tendo em vista a natureza e o volume das tarefas políticas que o proletariado poderá desempenhar, em curto e médio prazo, em seus confrontos políticos com as classes dominantes. Por princípio, sua estratégia será a de converter a “guerra civil oculta” em “guerra civil aberta”, tão depressa quanto isso for possível. Na prática, porém, deve combinar várias táticas de luta que unam entre si as reivindicações concretas e pequenos combates com o fortalecimento de uma consciência de classe revolucionária e uma disposição de luta inabalável.


Um proletariado de formação recente e heterogênea já ganha grande vitória quando defende a solidariedade proletária acima de qualquer outra coisa. Algo mais difícil é formar uma consciência proletária revolucionária e a firme disposição de luta, mantê-las acesa sob o sutil cerco capitalista e impedir que elas se deteriorem nos embates imediatistas. O partido revolucionário terá de desempenhar essa função criadora ligando a estratégia global do movimento proletário com táticas vinculadas ao emprego, situação de trabalho, comitês de fábrica, proliferação de conselhos operários e populares, reuniões nos sindicatos e nas comunidades, agitação em meios não proletários.


O espírito revolucionário e o objetivo revolucionário precedem o aparecimento da situação revolucionária e são eles que decidem se o “elemento subjetivo” estará presente quando surgir a oportunidade. A relação de forças é decisiva, mas a oportunidade pode ser perdida se a classe e o partido não estiverem prontos para agarrar a oportunidade. A impaciência dos revolucionários ou da vanguarda de classe proletária pode preparar-se para a revolução, mas não podem forjar ao bel-prazer a situação histórica revolucionária. Esta transcende a vontade dos agentes e depende de uma evolução extremamente complexa, não se faz revolução por encomenda. A evolução da revolução proletária no Brasil, parece subordinar-se a fatores que não permitem vaticinar um caminho nem fácil nem rápido para a revolução. Em vista das condições continentais do Brasil, do modo que se manifesta o desenvolvimento desigual e combinado, do tamanho da população, da diferenciação regional da economia e o regime de classes, das circularidades da revolução burguesa e seu forte resíduo reacionário, da “guerra fria” dos países capitalistas e de sua superpotência, de nação periférica tão estratégica, da necessidade de passar para um alto potencial político de mobilização da luta de classes pelos proletários e aliados, da necessidade de aperfeiçoar os principais meios de luta organizada do proletariado – sindicatos e partidos – e de infundir-lhes capacidade de atuação conjunta e de irredutibilidade revolucionária, de produzir conhecimentos teóricos sobre as vias concretas da revolução proletária no Brasil e a alteração das relações de forças internas e externas, da descoberta das técnicas revolucionárias para acelerar a evolução da situação histórica revolucionária etc., a previsão mais otimista terá de pensar em duas décadas. Se as forças da esquerda deixarem de digladiar-se e tomar uma atitude madura quanto a quem é o inimigo principal a quem devem combater, em primeiro lugar.


Portanto, um partido empenhado em programar suas atividades como um meio de luta do proletariado, deve preparar-se para uma fase longa de “guerra civil oculta” que será um tempo para realizar sua aprendizagem, acumular forças e ganhar base social, produzir conhecimentos teóricos de agitação, propaganda e de luta (inclusive armada), para estar pronto e com probabilidades de aproveitar a situação revolucionária, se aparecer, ou de ajudar a criá-la, a partir de uma fase mais avançada da “guerra civil oculta”, se a história exigir empurrões decisivos e o proletariado, um parteiro. Tal cálculo político é feito com base na “experiência anterior”, levando em conta evoluções transcorridas e na dinâmica da sociedade de classes, na América Latina. É impossível antecipar qual vai ser o poder de desagregação dos países em transição para o socialismo depois que encontrarem as bases para uma coexistência internacional homogênea e cooperativa – e depois que atravessarem a fase dura da transição que assustou os setores não revolucionários do proletariado, no Ocidente, e as classes médias, em particular. Hoje, o “cerco capitalista” tem força relativa suficiente para desgastar os regimes socialistas em formação e em expansão, para criar tensões entre esses regimes e, inclusive, para deformar o desenvolvimento socialista, aumentando desproporcionalmente os investimentos não produtivos e diminuindo sensivelmente os ritmos da construção do socialismo. É provável que, a médio prazo, essa relação será invertida a favor dos regimes socialistas. O desgaste caminhará, então, no sentido inverso. Pode-se pensar que à atual rigidez autodefensiva do capitalismo se seguirá uma curta fase de exacerbação da contrarrevolução e, por falta de base social para converter a defesa em ataque e em capacidade de autossustentação, a pulverização.


O modo pelo qual os Estados Unidos reagiram à derrota no Vietnã fornece pistas psicossociais e políticas conclusivas. O desmoronamento, lento no início e rápido depois, será inevitável. Se esse for o caso, a revolução proletária se beneficiará de fatores externos das correntes da história mundial do presente. Contudo, é preciso responder às exigências da situação histórica atual, fornecer ao proletariado, no momento em que ergue coletivamente a sua cabeça, novas possibilidades de travar suas pequenas e grandes batalhas. Por isso, deve-se seguir a rota batida, ainda que as esperanças possam ser maiores que as nossas realidades. Um partido desse porte terá de perder a obsessão pela legalidade. O essencial não é a legalidade, mas o produto da atividade de tal partido na realização das tarefas revolucionárias do proletariado. Ele deve bater-se pela legalidade, mas essa nunca poderia nem deveria ser sua preocupação primordial e principal. Os seus quadros terão de entender que a opção pelo partido constitui uma ruptura com a ordem. Esta não deve consumar-se só com a vitória da revolução, mas muito antes: todo militante tem de saber que, ao inscrever-se em um partido desses, rompe praticamente com a ordem e perde todas as suas garantias ou compensações.


Isso não quer dizer que se deva forjar um clima de pré- -revolução neurótico. Ao contrário, devem estar prontos para defender o direito à revolução, usado pela burguesia e, mais tarde, proscrito por ela. A imposição da “ilegalidade” às atividades revolucionárias e de subversão violenta da ordem foi um dos primeiros atos do terrorismo burguês na Europa. Essa forma de opressão precisa ser combatida, porém, não à custa das próprias tarefas históricas e políticas de um partido proletário que se pretenda revolucionário. Ele deve estar permanentemente preparado para realizar aquelas tarefas em duas frentes simultâneas: a legal, se existir, e a “ilegal”, se não houver outro remédio. O dilema desta situação está em duas tendências que ela engendra: a) a “concessão da legalidade” constitui uma autorização para funcionar nos limites da ordem e para ser punido nas “transgressões”. Ela implica numa tendência à domesticação política e à social-democratização que deve ser repelida ou o partido só será revolucionário na intenção e de nome; b) redução drástica do espaço político para a ação revolucionária. Essa tendência vai tão longe que até a educação das bases e quadros no conhecimento da teoria socialista revolucionária, do comunismo, é negligenciada ou largada pelo partido. Essa tendência tem de ser combatida com persistência e cuidado, ao mesmo tempo que se deve procurar as formas viáveis de compensação clandestina dessa desvantagem.


O que se descreve é o grande partido revolucionário de massas, uma “repetição” e um “sonho”. Ora, o grande partido também é o pequeno partido dos revolucionários “profissionais”. Nunca é tão grande quanto ao número de militantes, uma proporção pequena da vanguarda operária. Sua irradiação e seu potencial de luta política são de massas. Porém, o seu núcleo organizado tem de ser o de um partido que possa desenvolver simultaneamente tarefas políticas revolucionárias de curto, médio e longo prazo, dentro da ordem e contra ela, e que precisa prever o desdobramento da luta política “por outros meios”. Estar preparado para passar da “guerra civil oculta” para a “guerra civil aberta” é algo que exige mais que verborragia revolucionária e obreirismo compensatório! Se for preciso “repetir” os exemplos do que ocorreu na Rússia ou na China (Vietnã está fora?), paciência! Deve-se, apenas, fazer o possível para “repetir” com igual valor. Não há outra saída no Brasil, dadas as proporções da nação e das tarefas políticas a serem executadas.


Quanto ao “sonho”, se deve dizer é que sem sonhos políticos realistas não existem nem pensamento revolucionário nem ação revolucionária. Os que “não sonham” estão engajados na defesa passiva da ordem capitalista ou na contrarrevolução prolongada. A dimensão utópica do socialismo revolucionário e do comunismo suplanta todos os sonhos e fantasias que se possa ter, dormindo ou acordado. Um partido que não souber converter em realidade essa dimensão utópica jamais poderá propor-se à condição de vanguarda política do proletariado e de meio válido da revolução proletária. Por que pensar em um caminho tão difícil e prolongado quando se tem uma burguesia débil, “lumpemproletária”? Não seria exagero erguer contra ela um partido revolucionário preparado para os mais duros combates? Isto não é questão de opinião, é uma questão de fato. Em países mais desenvolvidos da América Latina, essa burguesia mostrou-se capaz de praticar bem sua autodefesa e de procurar uma sólida proteção no imperialismo. Uma classe dominante, com posições de interesse internacionalizadas, não pode ser medida nacionalmente, mas na escala mundial para a qual ela avançou historicamente através da incorporação e da contrarrevolução prolongada. Portanto, deve-se levar em conta a via cubana, a via chilena e a via nicaraguense, pois através delas pode-se aprender muitas coisas. Inclusive porque um país das proporções, desenvolvimento relativo e com uma burguesia tão hábil em defender seu monopólio do poder, como o Brasil, necessita de um partido proletário de porte para ir à revolução anticapitalista e anti-imperialista.


O mais importante, na via cubana não está na guerrilha, mas no modo pelo qual os guerrilheiros conquistaram o apoio dos camponeses e proletários agrícolas para a revolução. Um partido revolucionário de grande porte terá de chegar ao Exército do Povo e à guerrilha, quando a guerra civil se tornar uma guerra civil a quente, de escala nacional. Dar prioridade à guerrilha seria infantil – as revoluções proletárias não se repetem enquanto história, mas em suas estruturas, no que possuem em comum, graças à luta de classes. Ignorou-se esse lado, porque não se pensou a sério na revolução. A conquista e o apoio dos camponeses e semicamponeses, espalhados por todo o país, é crucial. Sem eles, uma revolução proletária não teria viabilidade porque as forças nacionais e externas da contrarrevolução fragmentariam o país e isolariam os focos revolucionários vitoriosos, não dando tempo para que a revolução chegasse à conquista do poder e ao escalonamento das batalhas decisivas.


Quanto à via chilena, é preciso reconhecer que ela não era má em si mesma. Ela foi prematura. Ela exigia um avanço e um peso maior dos regimes socialistas no equilíbrio mundial do poder. Só isto poderia impedir que os capitalistas não ousassem e, se ousassem, ousariam para serem batidos militar e politicamente. Como essa condição histórica não se realizava, a burguesia nacional e as nações capitalistas centrais, com a superpotência à frente, aproveitaram os erros cometidos como se apenas colhessem frutos maduros. A via nicaraguense, por sua vez, comprovou a sua eficácia. Mas, ela cai na categoria da experiência anterior, só que sem possuir as vantagens que favoreceram os guerrilheiros cubanos. A sua importância está na demonstração de que hoje há um espaço comum a ser explorado por todas as forças sociais que combatem as iniquidades das ditaduras de classe e do imperialismo na América Latina. E que esse espaço conduz a uma redefinição histórica da relação da burguesia radicalizada e da esquerda unificada com a transformação da ordem. Não é axiomático que se possa montar no Brasil tal saída, e que ela seria o ponto de referência obrigatório do pensamento revolucionário. Ao revés, o que a experiência da Nicarágua prova é que a ausência de um partido revolucionário proletário, solidamente apoiado nas massas, constitui uma vantagem para os setores revolucionários que se limitam a defender a reforma do capitalismo e gera um tempo de espera ue é favorável às manobras diretas e indiretas do imperialismo, quando ele se manifesta dentro da área com ânimo colonial, como fazem os Estados Unidos.


Ainda aqui, evidencia-se o drama latino-americano crônico: as situações revolucionárias configuram-se sem que existam forças organizadas para conduzir à revolução. A única exceção é a de Cuba. Para impedir essa cronicidade, tão vantajosa à contrarrevolução capitalista, devemos lutar para que o proletariado tenha as mesmas possibilidades de aproveitar as oportunidades históricas que a burguesia. Por essa razão, cumpre estudar essas revoluções, vitoriosas ou frustradas, mas para aprender e ir além. Mas, não para manter o pensamento e a ação revolucionária dentro de círculos que não se abrem para o nosso futuro, pois dizem respeito a uma órbita histórica que não coincide com a órbita histórica do desenvolvimento do capitalismo dependente, do regime de classes e do Estado burguês no Brasil. exceção é a de Cuba. Para impedir essa cronicidade, tão vantajosa à contrarrevolução capitalista, devemos lutar para que o proletariado tenha as mesmas possibilidades de aproveitar as oportunidades históricas que a burguesia. Por essa razão, cumpre estudar essas revoluções, vitoriosas ou frustradas, mas para aprender e ir além. Mas, não para manter o pensamento e a ação revolucionária dentro de círculos que não se abrem para o nosso futuro, pois dizem respeito a uma órbita histórica que não coincide com a órbita histórica do desenvolvimento do capitalismo dependente, do regime de classes e do Estado burguês no Brasil.


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Fonte: marxists.org

 

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