15 de Junho de 1872
O manuscrito de Marx A Nacionalização da Terra é um dos documentos mais importantes do marxismo sobre a questão agrária. Foi redigido a propósito da discussão na secção de Manchester da Internacional sobre a nacionalização da terra. Numa carta a Engels de 3 de Março, Dupont, membro do Conselho Geral, dava-lhe conta da confusão das concepções dos membros da secção quanto à questão agrária. Depois de expor os cinco pontos da sua futura intervenção, pedia a Marx e a Engels que lhe comunicassem as suas observações a fim de as poder ter em conta antes da reunião da secção. Marx fez uma desenvolvida fundamentação das suas concepções sobre a nacionalização da terra que Dupont utilizou integralmente no seu relatório. Marx encarava esse grande problema que é a nacionalização da terra, como ele dizia, numa indissolúvel ligação com as tarefas da revolução proletária e da transformação socialista de toda a sociedade.
A propriedade do solo é a fonte original de toda a riqueza e tornou-se o grande problema de cuja solução depende o futuro da classe operária. Não tenho a intenção de discutir aqui todos os argumentos adiantados pelos advogados da propriedade privada da terra, por juristas, filósofos e economistas políticos, mas limitar-me-ei, em primeiro lugar, a declarar que eles se esforçaram por disfarçar o facto primitivo da conquista sob o manto do «Direito Natural». Se a conquista constituiu um direito natural por parte da minoria, a maioria tem apenas de reunir a força suficiente para adquirir o direito natural de reconquistar aquilo que lhe foi tirado. No decurso da história, os conquistadores acharam conveniente dar aos seus direitos de posse originais, derivados da força bruta, uma espécie de estabilidade social por intermédio de leis impostas por eles próprios. Por fim, vem o filósofo e demonstra que aquelas leis implicam e expressam o consentimento universal da humanidade. Se a propriedade privada da terra estivesse de facto fundada em semelhante consentimento universal, ficaria evidentemente extinta a partir do momento em que a maioria de uma sociedade discordasse de a autorizar.
No entanto, deixando de lado os chamados «direitos» de propriedade, assevero que o desenvolvimento económico da sociedade, o aumento e concentração de gente, as próprias circunstâncias que compelem o rendeiro capitalista a aplicar à agricultura trabalho coletivo e organizado e a recorrer a maquinaria e dispositivos similares, tornarão cada vez mais a nacionalização da terra uma «Necessidade Social», contra a qual nenhuma soma de conversa acerca dos direitos de propriedade poderá ter qualquer efeito. As carências imperativas da sociedade terão de ser e serão satisfeitas, mudanças ditadas pela necessidade social abrirão o seu próprio caminho e, mais cedo ou mais tarde, adoptarão legislação segundo os seus interesses. Aquilo de que precisamos é de uma produção que aumente diariamente e as suas exigências não podem ser preenchidas consentindo que uns poucos indivíduos a regulem de acordo com os seus caprichos e interesses privados ou que ignorantemente esgotem as forças do solo. Todos os métodos modernos — tais como irrigação, drenagem, aradura a vapor, tratamento químico, etc. — devem ser aplicados à agricultura em grande. Mas, o conhecimento científico que possuímos e os meios técnicos de agricultura que dominamos, tais como maquinaria, etc, não podem ser aplicados com êxito senão cultivando a terra numa larga escala. Se o cultivo em larga escala se revela (mesmo sob a sua presente forma capitalista, que degrada o próprio cultivador a mera besta de carga) tão superior, de um ponto de vista económico, à pequena e retalhada lavoura [husbandry], não daria ele um impulso acrescido à produção se aplicado às dimensões nacionais? As carências sempre crescentes das pessoas, por um lado, os preços sempre a aumentar dos produtos agrícolas, por outro, fornecem a prova irrefutável de que a nacionalização da terra se tornou uma necessidade social. Uma diminuição do produto agrícola, tal como resulta do mau uso individual, tornar-se-á, é claro, impossível sempre que o cultivo for prosseguido sob o controlo e para benefício da nação. Todos os cidadãos que hoje aqui ouvi durante o decurso do debate, sobre esta questão, defenderam a nacionalização da terra, mas tomaram sobre isso perspectivas muito diferentes. Aludiu-se frequentemente à França mas com o seu proprietariado camponês [peasant proprietorship] está mais distante da nacionalização da terra do que a Inglaterra com o seu sistema de senhores da terra [landlordism]. Em França, é certo, o solo está acessível a todos os que o podem comprar, mas precisamente esta facilidade trouxe consigo uma divisão em pequenos lotes cultivados por homens com meios muito pequenos e contando com a terra principalmente através de esforços deles próprios e das suas famílias. Esta forma de propriedade fundiária e o cultivo retalhado de que necessita uma vez que exclui todas as aplicações de melhoramentos agrícolas modernos — converte o próprio lavrador [tiller] no mais decidido inimigo do progresso social e, acima de tudo, da nacionalização da terra. Acorrentado ao solo sobre que tem de despender todas as suas energias vitais a fim de obter uma retribuição relativamente pequena, tendo de entregar a maior parte do seu produto ao Estado, sob a forma de impostos, à súcia do foro sob a forma de custos judiciais e ao usurário sob a forma de juros, completamente ignorante acerca dos movimentos sociais fora do seu campo restrito de atividade; não obstante, agarra-se na mesma com apego fanático ao seu pedaço de terra e à sua condição de proprietário meramente nominal. Por este caminho, o camponês francês foi atirado para o mais fatal antagonismo com a classe operária industrial. Sendo a condição de proprietário camponês o maior obstáculo à nacionalização da terra, a França, no seu estado presente, não é certamente o lugar para onde temos de olhar em busca de uma solução para este grande problema. Nacionalizar a terra em ordem a deixá-la em pequenos lotes a indivíduos ou a sociedades de operários apenas engendraria, com um governo da classe média, uma temerária concorrência entre eles próprios e resultaria, portanto, num aumento progressivo da «Renda» que, por seu turno, forneceria novas oportunidades aos apropriadores de se sustentarem dos produtores. No Congresso Internacional de Bruxelas, em 1868[N220], um dos nossos amigos(1*) disse:
"A pequena propriedade privada da terra está condenada pelo veredicto da ciência, a grande propriedade da terra pelo da justiça. Não fica, então, senão uma alternativa. O solo tem de tornar-se propriedade de associações rurais ou propriedades de toda a nação. O futuro decidirá esta questão."
Eu digo, pelo contrário: o movimento social conduzirá a esta decisão de que a terra não pode ser possuída senão pela própria nação. Abandonar o solo nas mãos de trabalhadores rurais associados seria fazer a sociedade render-se a uma classe exclusiva de produtores.
A nacionalização da terra produzirá uma mudança completa nas relações entre trabalho e capital e, finalmente, porá de lado a forma capitalista de produção, tanto industrial como rural. Então, distinções de classe e privilégios desaparecerão juntamente com a base económica sobre que repousam. Viver do trabalho de outrem tornar-se-á uma coisa do passado. Não haverá mais qualquer governo ou poder do Estado distinto da própria sociedade! A agricultura, a mineração, a manufatura, numa palavra, todos os ramos da produção, serão gradualmente organizados da maneira mais adequada. A centralização nacional dos meios de produção tornar-se-á a base nacional de uma sociedade composta por associações de produtores livres e iguais, prosseguindo os negócios sociais segundo um plano comum e racional. Tal é o objetivo humanitário para que o grande movimento económico do século XIX está a tender.
Fonte: marxist.org
Notas de rodapé:
(1*) César De Paepe. Notas de fim de tomo: [N219] Liga da Paz e da Liberdade: organização pacifista burguesa criada em 1867 na Suíça por vários republicanos burgueses e pequeno-burgueses e liberais. [N220] O Congresso de Bruxelas da Internacional realizou-se entre 6 e 13 de Setembro de 1868. Marx participou diretamente na preparação do Congresso, mas não assistiu a ele. No Congresso participaram 100 delegados, representando os operários da Inglaterra, França, Alemanha, Bélgica, Suíça, Itália e Espanha. O Congresso adoptou uma decisão muito importante sobre a necessidade da passagem para a propriedade pública dos caminhos-de-ferro, do subsolo, das minas, das florestas e das terras aráveis. Esta decisão, que testemunhava que a maioria dos proudhonistas franceses e belgas havia adoptado as posições do coletivismo, marcou a vitória na Internacional das ideias do socialismo proletário sobre o reformismo pequeno-burguês. O Congresso adoptou igualmente as resoluções propostas por Marx sobre a jornada de trabalho de oito horas, sobre o emprego das máquinas, sobre a atitude em relação ao Congresso de Berna (1868) da Liga da Paz e da Liberdade (ver nota 219), assim como a resolução proposta por Lessner, em nome da delegação alemã, recomendando aos operários de todos os países que estudassem O Capital de Marx, e contribuíssem para a sua tradução para outras línguas.
Ótimo texto do camarada Engels, sempre atual!