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Marx e Engels: Escritos sobre a Guerra Civil Americana

Karl Marx e Friedrich Engels

7 de novembro de 1861

Thomas Jonathan (Stonewall) Jackson- por Chris Collingwood

 

Seção I. Grandes Panoramas A Guerra Civil nos Estados Unidos (Marx/Engels. Die Presse, número 306 de 7 de novembro de 1861) Escrito no final de outubro de 1861


“Deixe que ele corra; ele não é digno de sua ira!” Este conselho de Leporello [personagem de Don Giovanni, de Mozart] à amante abandonada por Don Juan é o mesmo que a sabedoria estatal inglesa — pela boca do lorde John Russell — não cessa de clamar, uma vez atrás da outra, para o norte dos Estados Unidos. Que o Norte fuja do Sul; dessa maneira ele se libertaria de todos seus laços com a escravidão, de seu pecado original histórico, criando a base para um desenvolvimento inédito e superior.


“Deixe que ele corra; ele não é digno de sua ira!” Este conselho de Leporello [personagem de Don Giovanni, de Mozart] à amante abandonada por Don Juan é o mesmo que a sabedoria estatal inglesa — pela boca do lorde John Russell — não cessa de clamar, uma vez atrás da outra, para o norte dos Estados Unidos. Que o Norte fuja do Sul; dessa maneira ele se libertaria de todos seus laços com a escravidão, de seu pecado original histórico, criando a base para um desenvolvimento inédito e superior.


O conselho de uma separação amigável pressupõe que a Confederação sulista, apesar de tomar a ofensiva na Guerra Civil, a está conduzindo para fins meramente defensivos. Crê-se, daí, que o partido dos proprietários de escravos esteja preocupado em juntar para si apenas as regiões que estavam sob seu controle anteriormente, formando um grupo independente de estados, para então removê-lo da soberania da União. Nada pode estar mais distante da verdade.


“O Sul precisa de todo o seu território. Ele quer e precisa tê-lo”. Foi com esse grito de guerra que os secessionistas atacaram o Kentucky. Por todo o seu território querem dizer: todos os chamados estados fronteiriços, Delaware, Maryland, Virgínia, Carolina do Norte, Kentucky, Tennessee, Missouri e Arkansas. Além disso, eles também exigem todo o território ao Sul da linha que vai do canto noroeste do Missouri até o Oceano Pacífico. Desta feita, o que os proprietários de escravos chamam de “Sul” abrange mais de três quartos do que era anteriormente a União. Uma grande parte da área reivindicada ainda é de propriedade da União e precisaria, antes de tudo, ser invadida. Entretanto, o conjunto que chamamos de estados fronteiriços, incluindo aqueles que atualmente estão sob domínio da Confederação, nunca foram realmente estados escravocratas. Ao contrário, eles formam um território dos Estados Unidos onde o sistema de escravidão e o sistema de trabalho livre coexistem e lutam pelo controle; são o verdadeiro campo de batalha entre o Sul e o Norte, entre a escravidão e a liberdade. A guerra da Confederação sulista não é uma guerra de defesa, mas uma guerra de conquista, uma guerra de conquista com o objetivo de alastramento e perpetuação da escravidão.


A cordilheira que começa no Alabama e se estende a Norte, até chegar no rio Hudson — a espinha dorsal dos Estados Unidos, por assim dizer — corta a chamada região Sul em três partes. As regiões montanhosas, formadas pelas montanhas de Alleghany com suas duas cadeias paralelas, mais a cordilheira Cumberland a Oeste e as Blue Mountains a Leste, separam as planícies na costa oeste do Oceano Atlântico das planícies nos vales ao sul do Mississippi. As duas planícies separadas pela região montanhosa, com seus imensos campos de arroz e extensas plantações de algodão, formam o verdadeiro cerne da escravidão. A longa faixa de terra montanhosa que avança até o centro do escravismo, com uma atmosfera correspondentemente livre, um clima fresco e um solo rico em carvão, sal, calcário, minério de ferro, ouro, enfim, toda matéria-prima necessária para o mais variado desenvolvimento industrial, está aí. Boa parte dela é terra livre. Em função de sua constituição física, o solo local só pode ser cultivado com sucesso por pequenos agricultores. O sistema escravista aí vegeta apenas esporadicamente e nunca criou raízes. Na maioria dos aclamados estados fronteiriços, os habitantes das terras altas formam o núcleo da população livre, que já está tomando partido pelo Norte em seu interesse pela autopreservação.


Consideremos os territórios em conflito em pormenores.


Delaware, o estado fronteiriço mais a noroeste, encontra-se em posse da União, fática e moralmente. Todas as tentativas dos secessionistas de formar ali uma fração favorável a seu partido fracassou desde o início da guerra por unanimidade da população. O elemento escravista desse estado entrou em extinção há muito tempo. Somente de 1850 até 1860 o número de escravos caiu pela metade, de forma que Delaware conta hoje com 1.798 escravizados de uma população total de 112.218 habitantes. Apesar disso, Delaware é cobiçado pela Confederação sulista e seria militarmente insustentável para o Norte defendê-lo caso o Sul tomasse posse de Maryland.


Na própria Maryland, há o conflito mencionado entre planaltos e planícies. Para uma população total de 687.034, existem ali 87.188 escravos. As recentes eleições gerais para o Congresso em Washington mostraram mais uma vez que a grande maioria do povo está do lado da União. O exército de 30.000 soldados da União que está ocupando Maryland não só servirá de reserva para o exército no Potomac, como também para manter afastados os rebeldes escravocratas do estado. Aqui há um fenômeno semelhante ao de outros estados fronteiriços, onde a grande massa de pessoas fica a favor do Norte e um punhado de proprietários de escravos numericamente insignificante fica com o Sul. O que falta ao partido escravocrata em números, ele compensa com instrumentos de violência, com a posse de todos os gabinetes governamentais que detém há anos, com a participação herdada em intrigas políticas e com a concentração de grandes fortunas nas mãos de poucos.


Agora a Virgínia está construindo um grande acampamento onde o exército principal da Secessão e o exército principal da União farão frente um contra o outro. Nos planaltos a noroeste da Virgínia, a massa de escravos assoma 15.000 pessoas, enquanto a maioria da população livre, que é 20 vezes maior, consiste em campesinos independentes. As planícies orientais da Virgínia, por outro lado, têm quase meio milhão de escravos. O cruzamento de negros e sua venda para os estados do Sul constitui sua principal fonte de renda. Assim que os líderes bandoleiros da planície levaram a cabo a ordenança da Secessão através de intrigas na legislatura em Richmond, abrindo às pressas os portões da Virgínia para o exército do Sul, o noroeste da Virgínia se cindiu da Secessão, formando um novo estado que, nesse momento, defende seu território, com armas em punho e sob a insígnia da União, contra os invasores sulistas.


O Tennessee, com 1.109.847 habitantes (dentre eles, 275.784 escravos), está nas mãos da Confederação sulista, a qual estabeleceu lei marcial em toda a região e a submeteu a um sistema de ostracismo que remete à época dos triunviratos romanos. Quando os donos de escravos propuseram uma convenção popular generalizada para votar em secessão ou não secessão, a maioria da população recusou-se a participar de qualquer coisa que servisse de subterfúgio para o movimento secessionista. Mais tarde, quando o Tennessee já havia sido derrotado militarmente pela Confederação sulista e estava submetido a um sistema de terror, mesmo assim mais de um terço dos votantes ali declararam sua preferência pela União. O autêntico centro de resistência contra o partido escravocrata se encontra ali, como no caso da maioria dos estados fronteiriços, na região montanhosa, ao leste do Tennessee. Em 17 de junho de 1861, uma convenção popular do Tennessee-Leste foi convocada em Greenville declarando-se pró-unionista e votando para enviar o ex-governador Andrew Johnson, um dos unionistas mais ávidos, para o senado em Washington. Em seguida, publicou uma declaration of grievances — uma listagem de queixas — que expõe toda sorte de enganações, intrigas e métodos de terror utilizados para separar o Tennessee da União mediante “votações”. Desde essa época, o Tennessee-Leste está sendo mantido em xeque pelos secessionistas sob ameaça de morte.


Situações parecidas com as da Virgínia Ocidental e do Tennessee-Leste podem ser encontradas ao norte do Alabama, noroeste da Geórgia e parte norte da Carolina do Norte. Mais a oeste, no estado fronteiriço do Missouri, que conta com 1.173.317 habitantes e 114.965 escravos — os últimos agrupados sobretudo na porção noroeste do estado —, a convenção popular de agosto de 1861 se decidiu pela União. Jackson, governador do estado e joguete do partido escravocrata, revoltou-se contra o que legislou o Missouri, foi banido e agora assume a posição de cabeça de uma horda armada que está fazendo investidas contra o Missouri vindas do Texas, Arkansas e Tennessee para que este se ajoelhe perante a Confederação, cortando assim os laços com a União. O Missouri, neste instante, está se tornando o principal teatro da Guerra Civil depois da Virgínia.


Foi o Novo México — que não é um estado, mas um mero território — para onde 25 escravos foram importados sob a presidência de Buchanan para que então uma proposta de constituição escravista fosse enviada para Washington. Mas, como o próprio Sul agora admite, isso não foi o que sua população desejava. Apesar disso, o Sul deseja o Novo México e está cuspindo uma milícia de aventureiros sobre sua fronteira com o Texas. O Novo México implora por proteção do governo da União contra esses ‘libertadores’.


Note que colocamos uma ênfase particular na proporção numérica de escravos para pessoas livres dentro de cada um dos estados fronteiriços. Essa proporção é, de fato, crucial aqui. Ela serve de termômetro por meio do qual devemos medir a temperatura do sistema escravista. A alma de todo movimento secessionista está na Carolina do Sul. Ali há 402.541 indivíduos escravizados para 301.271 livres. Em segundo lugar na fila está o Mississippi, o mesmo que deu à Confederação sulista seu ditador, Jefferson Davis. Ali há 436.696 indivíduos escravizados para 354.699 livres. Em terceiro na fila vem o Alabama, com 435.132 escravizados para 539.164 livres.


O último dos estados fronteiriços em guerra, que ainda falta mencionarmos, é o Kentucky. Sua história recente é particularmente caracterizada pela política da Confederação sulista. O Kentucky conta com 1.135.713 habitantes e 225.490 escravos. Em três eleições gerais consecutivas — no inverno de 1861, quando votaram por um congresso dos estados fronteiriços; em junho de 1861, quando as eleições para congresso se realizaram em Washington; por fim, em agosto de 1861, nas eleições por uma Assembleia legislativa [própria] do estado do Kentucky — houve uma maioria crescente votando em prol da União. Em contrapartida, Magoffin (o governador do Kentucky) e diversos dignitários do estado estão entre os partidários fanáticos dos escravocratas; o mesmo ocorre com Breckinridge, representante do Kentucky no Senado em Washington, vice-presidente dos EUA sob Buchanan e que, em 1860, foi candidato do partido escravocrata durante as eleições para presidente. Débil demais para convencer o Kentucky a se juntar à causa da Secessão, a influência do partido escravocrata, porém, foi poderosa o suficiente para fazer com que se declarasse neutro em relação à guerra em seu início. A Confederação reconheceu tal neutralidade desde que servisse a seus fins, enquanto estivesse ocupada fazendo resistência no Tennessee-Leste. Logo que esse objetivo foi atingido, ela bateu nos portões do Kentucky aos berros: “o Sul precisa de todo o seu território. Ele quer e vai tê-lo!”


Suas brigadas de bucaneiros invadiram simultaneamente o estado “neutro” de Sudoeste a Sudeste. O Kentucky acordou do sonho da neutralidade; sua legislatura tomou partido abertamente pela União, cercando o governador traiçoeiro com um comitê de segurança pública; convocou o povo a tomar armas; baniu Breckinridge e ordenou aos secessionistas que evacuassem a área imediatamente. Foi esse o estopim para a guerra. Um exército da Confederação sulista está se movendo em direção a Louisville, enquanto voluntários vêm de Illinois, Indiana e Ohio para salvar Kentucky dos missionários armados da causa da escravidão.


As tentativas por parte da Confederação de incorporar estados contra sua vontade (Missouri e Kentucky, por exemplo) provam quão vazias são as desculpas de que estaria lutando pelos direitos dos estados individuais contra os ataques da União. No entanto, ela concede aos estados individuais, os quais classifica como parte do “Sul”, o direito de se separarem da União — mas de maneira alguma o direito de permanecer na União. Aos demais estados individuais que constam na região Sul, porém, ela reconhece o pleno direito de romper com a União, mas de forma nenhuma o direito de permanecer nela.


Os estados autenticamente escravocratas — apesar da guerra externa, da ditadura militar interna e da escravidão por toda a parte —, embora deem mostras de harmonia neste momento, não são desprovidos de elementos discordantes. Um exemplo impactante é o Texas, com 180.388 escravos de 601.039 habitantes. A lei de 1845, segundo a qual o Texas entraria na fileira de estados da federação como um estado escravagista, autorizou que se formassem não somente um, mas cinco estados dentro de seu perímetro. Isso conferiria ao Sul dez novos votos, em vez de apenas dois, dentro do Senado americano, e o aumento de números no Senado foi um dos principais objetivos da política da época. Os escravocratas acharam, porém, impraticável recortar o Texas de 1845 a 1860 — local onde a população alemã desempenha um papel significativo — sem dar ao partido do trabalho livre vantagem sobre o partido da escravidão em um segundo estado.(1) A maior prova desse fenômeno reside no quão poderoso é o contraste contra a oligarquia de escravocratas dentro do próprio Texas.


A Geórgia é o maior e mais populoso dos estados escravistas. Conta com umamassa habitacional de 1.057.327 da qual 462.230 é escravizada — portanto, quase a metade de sua população. Apesar disso, o partido dos escravagistas não deu conta, até agora, de sancionar a Constituição imposta pelo Sul a Montgomery valendo-se de um referendo geral da Geórgia.


Na convenção estadual da Louisiana, que se reuniu em Nova Orleans em 21 de março de 1861, declarou Roselius, veterano político daquele estado:


“A constituição de Montgomery não é uma constituição, mas uma conspiração. Não instaura um governo popular, mas uma oligarquia rancorosa e [com atuação] irrestrita. O povo não teve qualquer permissão para dar seu aval nesse quesito. A Convenção de Montgomery cavou o túmulo da liberdade política, e agora estamos sendo chamados para assistir ao seu funeral”.

De fato, a oligarquia de 300.000 escravocratas se valeu do Congresso de Montgomery não só para proclamar a separação do Sul do Norte. Ela se aproveitou dele, simultaneamente, para reconstruir as constituições interinas dos estados escravos, subjugando completamente a parcela da população branca que ainda preservara alguma independência sob a proteção e constituição democrática da União. Já durante os anos de 1856 a 1860, porta-vozes políticos, juristas, moralizadores e teólogos do partido escravocrata tentaram dar provas não apenas de que a escravidão negra seria justificada, mas de que a cor é um detalhe insignificante, e que toda a classe trabalhadora, em toda a parte, nasce para a escravidão. Vê-se, portanto, que a guerra da Confederação sulista é, no verdadeiro sentido da palavra, uma guerra de conquista em prol da disseminação e perpetuação da escravidão. A maior parte dos estados fronteiriços e territórios se encontra ainda na posse da União, cuja causa apoiaram através das urnas desde o início, e agora o fazem empunhando armas. A Confederação, porém, os considera parte do “Sul”, buscando usurpá-los da União. Nos estados fronteiriços os quais a Confederação está ocupando por ora, a área montanhosa relativamente livre está sendo mantida sob lei marcial. Dentro dos estados autenticamente escravistas, a democracia até então vigente está sendo suplantada pela oligarquia desenfreada de 300.000 escravagistas.


Ao renunciar seus planos expansionistas, a Confederação sulista também renunciaria à sua capacidade de existir e ao objetivo da Secessão. A Secessão só se realizou porque, dentro da União, a transformação de estados fronteiriços e territórios em estados escravistas não parecia mais possível. Em contrapartida, caso fosse ceder pacificamente o território disputado para a Confederação sulista, o Norte teria que abrir mão de mais de três quartos de todo o território dos Estados Unidos da América para a república escravista. O Norte teria de perder todo o Golfo do México e da costa junta ao Oceano Atlântico, com exceção de uma faixa tênue que vai da Baía de Penobscot à Baía do Delaware, e até mesmo se isolaria do Oceano Pacífico. Missouri, Kansas, Novo México, Arkansas e Texas levariam a Califórnia consigo. Incapazes de tirar a embocadura do Mississippi das mãos da poderosa e hostil república escravista do Sul, os grandes estados agricultores nos vales entre as Montanhas Rochosas e os Montes Allegheny, no vale do Mississippi, Missouri e Ohio, seriam forçados à secessão do Norte em função de interesse econômicos, entrando para a Confederação sulista. Os estados do Noroeste, por sua vez, sucumbiriam ao mesmo redemoinho secessionista seguidos dos estados mais ao Norte, com exceção dos estados da Nova Inglaterra, talvez.


Assim, na verdade, o que ocorreria não seria uma dissolução da União, mas sua reorganização, uma reorganização sob os princípios da escravidão, sob o controle manifesto da oligarquia escravagista. O plano de uma tal reorganização foi abertamente proclamado pelos principais porta-vozes da nova Constituição, o que deixou aberta a oportunidade, a qualquer estado da antiga União, de se unir à nova Confederação. O sistema da escravidão teria empesteado toda a União. Nos estados nortistas, onde a escravidão negra é de modo geral impraticável, a classe trabalhadora branca seria rebaixada gradualmente à condição de hilotas. Isso corresponderia por completo ao princípio proclamado em alto e bom som de que apenas certas raças são aptas à liberdade, e como o trabalho atual no Sul é o fardo do negro, no Norte seria o fardo do alemão e do irlandês, ou de sua descendência direta.


A atual batalha entre Sul e Norte, portanto, não é nada além de uma batalha entre dois sistemas sociais, o sistema da escravidão e o sistema do trabalho livre. Já que ambos os sistemas não podem mais conviver pacificamente no continente norte-americano, a luta foi instaurada. Ela só poderá terminar com a vitória de um desses sistemas.


Se os estados fronteiriços, as áreas em disputa nas quais ambos os sistemas lutaram pela hegemonia, são o espinho na carne do Sul, por outro lado, não devemos nos enganar: no curso da guerra até então, eles constituíram a principal fraqueza do Norte. Uma parte dos escravagistas nesses distritos fingiu lealdade ao Norte a mando de conspiradores sulistas; uma outra parte constatou que ir para o lado da União estava de acordo com seus interesses reais e ideias tradicionalistas. Ambas as seções aleijaram o Norte do mesmo modo. A ansiedade de receber os escravocratas “leais” dos estados fronteiriços de bom espírito; o medo de jogá-los nos braços da Secessão; em suma, a terna consideração, por parte desses aliados ambíguos, pelos interesses, preconceitos e sentimentalidades do inimigo, golpeou o governo da União e resultou em sua fraqueza incurável desde o início da guerra, levando-o a tomar medidas pela metade, forçando-o a desmantelar o princípio bélico e a poupar o ponto mais vulnerável do inimigo, a raiz de todo o mal — a própria escravidão.


Quando, há pouco tempo, Lincoln timidamente cancelou a proclamação do Missouri de Frémont (que emancipava os negros pertencentes aos rebeldes), isso ocorreu unicamente por consideração ao protesto barulhento dos escravocratas “leais” do Kentucky. Entretanto, nesse momento já havíamos atingido o ponto de virada. Com o Kentucky, o último estado fronteiriço fora engolido para a série de batalhas entre Sul e Norte. Com a verdadeira guerra pelos estados fronteiriços se passando neles próprios, a questão de vencer ou perde-las se distanciou da esfera de discussões diplomáticas e parlamentares. Uma parte dos escravocratas jogará de lado sua máscara de lealista [à União]; a outra se contentará com uma compensação financeira prospectiva como aquela que a Grã-Bretanha conferiu aos donos de plantações do oeste da Índia. Os eventos em si os arrastarão para a promulgação de uma questão decisiva: a emancipação dos escravos.


O fato de que mesmo os democratas e diplomatas mais obstinados se sentem impelidos a assumir essa postura se mostra em alguns anúncios bastante recentes. O general Class, Ministro da Guerra sob [o presidente] Buchanan e até então um dos aliados mais ávidos do Sul, declarou a emancipação dos escravos como uma conditio sine qua non para que a União se salve. O Dr. Brownson, porta-voz do partido católico do Norte e, desde sua admissão, o mais enérgico adversário do movimento da emancipação de 1836 a 1860, publicou um artigo a favor da abolição:


“Se nos opusemos à abolição até então”, ele diz entre outras coisas, “é porque queríamos preservar a União, devemos a fortiori nos opor à escravidão uma vez que, a nosso ver, sua persistência se torna incompatível com a manutenção da União, ou desta nação como um Estado livre republicano”.

Por fim, o The World, um órgão novaiorquino de diplomatas do Gabinete de Washington, conclui um de seus últimos artigos estrondosos contra os abolicionistas com as seguintes palavras:


“Um dia — quando decidirmos quem cairá: a escravidão ou a União —, nesse dia estará assinada a sentença de morte para a escravidão. Se o Norte não puder triunfar sem a emancipação, ele triunfará com a emancipação”.


Fonte: marxists.org

 

Notas:


(1) Parte da população alemã que habitou o Texas e o Nebraska era formada por comunistas exilados, como o próprio Marx, após as revoluções do século XIX na Europa. O trecho é um pouco obscuro no original, mas Marx parece dizer: caso o governo dividisse o Texas de fato em quatro partes, instalando um regime escravocrata na primeira, isso levaria os elementos progressistas a se concentrar em uma segunda contra a causa da escravidão, gorando os planos dos escravagistas de conquistarem mais assentos no Senado em Washington.

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