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Mensagem da Direção Central à Liga dos Comunistas

Karl Marx/Friedrich Engels

Março de 1850

 

Março de 1850. Originalmente publicado no site Marxists. Foram realizadas alterações para o português brasileiro.

A Direção Central à Liga Irmãos: Nos dois anos de revolução 1848-49, a Liga afirmou-se duplamente; por um lado, porque os seus membros intervieram energicamente no movimento por toda a parte, na imprensa, nas barricadas e campos de batalha, à frente nas fileiras do proletariado, da única classe decididamente revolucionária. A Liga afirmou-se, além disso, pelo facto de a sua concepção do movimento, tal como foi exposta nas circulares dos congressos e da Direção Central de 1847, assim como no Manifesto Comunista, se ter mostrado a única correta; pelo facto de as expectativas formuladas nesses documentos se terem plenamente realizado e a concepção das condições sociais do momento, antes só em segredo propagada pela Liga, estar agora na boca dos povos, abertamente apregoada nas praças públicas. Ao mesmo tempo, a sólida organização inicial da Liga enfraqueceu significativamente. Uma grande parte dos membros, que participou diretamente no movimento revolucionário, acreditou que passara o tempo das sociedades secretas e que bastava a ação pública. Alguns círculos e comunidades deixaram afrouxar e adormecer pouco a pouco as suas ligações com a Direção Central. Assim, enquanto o partido democrático, o partido da pequena burguesia, se organizava cada vez mais na Alemanha, o partido operário perdia o seu único apoio sólido, quando muito permanecia organizado nalgumas localidades para objetivos locais e, por isso, no movimento geral, caiu inteiramente sob o domínio e a direção dos democratas pequeno-burgueses. Tem de se pôr termo a este estado de coisas, tem de se estabelecer a autonomia dos operários. A Direção Central compreendeu esta necessidade e, por isso, logo no Inverno de 1848-49, enviou à Alemanha um emissário, Joseph Moll, para a reorganização da Liga. A missão de Moll não teve entretanto efeito duradouro, em parte porque os operários alemães não tinham, então, colhido ainda experiências suficientes, em parte porque a interrompeu a insurreição de Maio passado[N74]. O próprio Moll pegou em armas, entrou no exército de Baden-Palatinado e tombou, em 29 de Junho(1), no recontro de Murg. Nele, perdeu a Liga um dos seus mais antigos, mais ativos e mais seguros membros, que estivera em atividade em todos os congressos e Direções Centrais e já antes realizara com grande êxito uma série de viagens em missão. Após a derrota dos partidos revolucionários da Alemanha e da França, em Julho de 1849, quase todos os membros da Direção Central voltaram a encontrar-se em Londres, completaram as suas fileiras com novas forças revolucionárias e empreenderam com renovada energia a reorganização da Liga. A reorganização da Liga só pode ser conseguida através de um emissário e a Direção Central considera da maior importância que o emissário parta neste preciso momento, em que está iminente uma nova revolução, em que o partido operário deve, portanto, apresentar-se o mais organizado, o mais unânime e o mais autônomo possível, para não ser outra vez, como em 1848, explorado e posto a reboque pela burguesia. Dissemo-vos, irmãos, logo em 1848, que os burgueses liberais alemães em breve iam aceder à dominação e que imediatamente virariam o seu recém-conquistado poder contra os operários. Vistes como isto se consumou. De facto, foram os burgueses que logo após o movimento de Março de 1848 tomaram conta do poder de Estado e se serviram desse poder para empurrar imediatamente os operários, seus aliados na luta, para a anterior posição de oprimidos. Se a burguesia não pôde conseguir isto sem se ligar com o partido feudal afastado em Março e até, finalmente, sem ceder de novo a dominação a este partido feudal absolutista, pelo menos assegurou para si condições que, pelos apuros financeiros do governo, lhe poriam a dominação nas mãos a longo prazo e lhe assegurariam todos os seus interesses, caso fosse possível que o movimento revolucionário enveredasse desde então por um desenvolvimento dito pacifico. A burguesia nem sequer teria necessidade, para assegurar a sua dominação, de se tornar odiosa por medidas violentas contra o povo, uma vez que todos esses passos violentos foram já executados pela contrarrevolução feudal. Mas o desenvolvimento não tomará esta via pacífica. Pelo contrário, está próxima a revolução que o há-de acelerar, seja ela provocada por um levantamento autônomo do proletariado francês, seja pela invasão da Santa Aliança[N80] contra a Babel revolucionária[N81]. E o papel que os burgueses liberais alemães desempenharam perante o povo em 1848, esse papel tão traiçoeiro, será assumido, na revolução que se avizinha, pelos pequeno-burgueses democratas, que ocupam agora na oposição o mesmo lugar que os burgueses liberais antes de 1848. Este partido, o partido democrático, mais perigoso para os operários do que o anterior partido liberal, consiste em três elementos: I. As partes mais avançadas da grande burguesia, que têm por objetivo a queda imediata e completa do feudalismo e do absolutismo. Esta fração está representada pelos antigos conciliadores de Berlim, que propunham a recusa dos impostos. II. Os pequeno-burgueses democrático-constitucionais, cuja finalidade principal durante o movimento precedente foi a fundação de um Estado federal mais ou menos democrático, como o ambicionavam os seus representantes, a Esquerda da Assembleia de Frankfurt e, mais tarde, o Parlamento de Stuttgart, e como eles próprios o ambicionavam na campanha pela Constituição Imperial[N82] III. Os pequeno-burgueses republicanos, cujo ideal é uma República federativa alemã, à maneira da Suíça, e que se dão agora o nome de vermelhos e de sociais-democratas porque alimentam o piedoso desejo de abolir a pressão do grande capital sobre o pequeno, do grande-burguês sobre o pequeno. Os representantes desta fração eram os membros dos congressos e comitês democráticos, os dirigentes das associações democráticas, os redatores dos jornais democráticos. Todas estas frações se intitulam, agora, depois da sua derrota, republicanas ou vermelhas, precisamente como em França os pequeno-burgueses republicanos se intitulam agora socialistas. Onde quer que ainda encontrem, como em Württemberg, na Baviera, etc., a oportunidade de perseguir os seus fins por via constitucional, aproveitam a ocasião para manter as suas velhas frases e para mostrar, na ação, que em nada mudaram. Compreende-se, de resto, que a mudança de nome deste partido nada modifica perante os operários, mas demonstra simplesmente que é agora obrigado a fazer frente à burguesia aliada ao absolutismo e a apoiar-se no proletariado. O partido democrático pequeno-burguês é muito poderoso na Alemanha. Abrange não somente a grande maioria dos habitantes burgueses das cidades, os pequenos negociantes industriais e os mestres artesãos: conta entre os seus seguidores os camponeses e o proletariado rural enquanto este último não tiver encontrado um suporte no proletariado autônomo das cidades. É esta a relação do partido operário revolucionário com a democracia pequeno-burguesa: está com ela contra a fração cuja queda ele tem em vista: opõe-se-lhe em tudo o que ela pretende para se consolidar a si mesma. Os pequeno-burgueses democratas, muito longe de pretenderem revolver toda a sociedade em benefício dos proletários revolucionários, aspiram a uma alteração das condições sociais que lhes torne tão suportável e cômoda quanto possível a sociedade existente. Por isso reclamam, antes de tudo, a diminuição das despesas públicas mediante a limitação da burocracia e a transferência dos principais impostos para os grandes proprietários fundiários e grandes burgueses. Reclamam, além disso, a abolição da pressão do grande capital sobre o pequeno, por meio de instituições públicas de crédito e de leis contra a usura que lhes tornassem possível, a eles e aos camponeses, obter em condições favoráveis adiantamentos do Estado em vez de os obterem dos capitalistas; e ainda o estabelecimento das relações de propriedade burguesas no campo, pela completa eliminação do feudalismo. Para realizarem tudo isto, necessitam de uma Constituição democrática, seja ela [monárquica] constitucional ou republicana, que lhes dê a maioria, a eles e aos seus aliados, os camponeses, e de uma organização comunal democrática que ponha nas suas mãos o controlo direto da propriedade comunal e uma série de funções atualmente exercidas pelos burocratas. Além disso, a dominação e o rápido aumento do capital devem ser contrariados, em parte pela limitação do direito sucessório, em parte pela entrega ao Estado do maior número possível de trabalhos. No que se refere aos operários, antes de mais está assente que devem, como até agora, permanecer operários assalariados, apenas desejando os pequeno-burgueses democratas que os operários tenham melhor salário e uma existência mais assegurada; esperam eles conseguir isto [confiando], em parte, ao Estado a ocupação dos operários e através de medidas de beneficência; numa palavra, esperam subornar os operários com esmolas mais ou menos disfarçadas e quebrar a sua força revolucionária tornando-lhes momentaneamente suportável a sua situação. As reivindicações da democracia pequeno-burguesa, aqui resumidas, não são defendidas por todas as frações ao mesmo tempo e muito poucos são aqueles que se apercebem delas na sua totalidade, como objetivo definido. Quanto mais longe forem indivíduos isolados ou frações de entre eles, tantas mais destas reivindicações eles farão suas; e os poucos que veem no atrás mencionado o seu próprio programa hão-de julgar ter-se com isto estabelecido, porém, o máximo a esperar da revolução. Mas estas reivindicações não podem bastar de modo algum ao partido do proletariado. Ao passo que os pequeno-burgueses democratas querem pôr fim à revolução o mais depressa possível, realizando, quando muito, as exigências atrás referidas, o nosso interesse e a nossa tarefa são tornar permanente a revolução até que todas as classes mais ou menos possidentes estejam afastadas da dominação, até que o poder de Estado tenha sido conquistado pelo proletariado, que a associação dos proletários, não só num país, mas em todos os países dominantes do mundo inteiro, tenha avançado a tal ponto que tenha cessado a concorrência dos proletários nesses países e que, pelo menos, estejam concentradas nas mãos dos proletários as forças produtivas decisivas. Para nós não pode tratar-se da transformação da propriedade privada, mas apenas do seu aniquilamento, não pode tratar-se de encobrir oposições de classes mas de suprimir as classes, nem de aperfeiçoar a sociedade existente, mas de fundar uma nova. Não resta dúvida alguma que a democracia pequeno-burguesa alcançará por um momento a influência preponderante na Alemanha no curso de desenvolvimento da revolução. Pergunta-se, pois, qual vai ser, perante ela, a posição do proletariado e especialmente da Liga: 1. enquanto durarem as atuais condições, em que também são oprimidos os democratas pequeno-burgueses; 2. na próxima luta revolucionária, que lhes dará a preponderância; 3. após essa luta, durante o tempo da sua preponderância sobre as classes derrubadas e o proletariado. 1. No momento presente, em que os pequeno-burgueses democratas são oprimidos por toda a parte, eles pregam ao proletariado em geral a união e a conciliação, estendem-lhe a mão e aspiram à formação de um grande partido de oposição que abarque todos os matizes no partido democrático; isto é, anseiam por envolver os operários numa organização partidária onde predominem as frases sociais-democratas gerais, atrás das quais se escondem os seus interesses particulares e onde as reivindicações bem determinadas do proletariado não possam ser apresentadas por mor da querida paz. Uma tal união resultaria apenas em proveito deles e em completo desproveito do proletariado. O proletariado perderia toda a sua posição autônoma arduamente conseguida e afundar-se-ia outra vez, tornando-se apêndice da democracia burguesa oficial. Essa união tem de ser recusada, por conseguinte, da maneira mais decidida. Em vez de condescender uma vez mais em servir de claque dos democratas burgueses, os operários, principalmente a Liga, têm de trabalhar para constituir, ao lado dos democratas oficiais, uma organização do partido operário, autônoma, secreta e pública, e para fazer de cada comunidade o centro e o núcleo de agrupamentos operários, nos quais a posição e os interesses do proletariado sejam discutidos independentemente das influências burguesas. Quão pouco séria é, para os democratas burgueses, uma aliança em que os proletários estejam lado a lado com eles, com o mesmo poder e os mesmos direitos, mostram-no por exemplo os democratas de Breslau, os quais no seu órgão, a Neue Oder-Zeizung[N83], atacam furiosamente os operários organizados autonomamente, a quem intitulam de socialistas. Para o caso de uma luta contra um adversário comum não é preciso qualquer união particular. Assim que se trate de combater diretamente um adversário, os interesses dos dois partidos coincidem momentaneamente e, como até agora, também no futuro esta ligação, só prevista para o momento, se estabelecerá por si mesma. Compreende-se que nos conflitos sangrentos que estão iminentes, como em todos os anteriores, são principalmente os operários que, pela sua coragem, a sua decisão e abnegação, terão de conquistar a vitória. Como até agora, os pequeno-burgueses em massa estarão enquanto possível hesitantes, indecisos e inativos nesta luta, para, uma vez assegurada a vitória, a confiscarem para si, exortarem os operários à calma e ao regresso ao seu trabalho [a fim de] evitar os chamados excessos e excluir o proletariado dos frutos da vitória. Não está no poder dos operários impedir disto os democratas pequeno-burgueses, mas está no seu poder dificultar-lhes o ascendente perante o proletariado em armas e ditar-lhes condições tais que a dominação dos democratas burgueses contenha em si desde o início o germe da queda e que seja significativamente facilitado o seu afastamento ulterior pela dominação do proletariado. Durante o conflito e imediatamente após o combate, os operários, antes de tudo e tanto quanto possível, têm de agir contra a pacificação burguesa e obrigar os democratas a executar as suas atuais frases terroristas. Têm de trabalhar então para que a imediata efervescência revolucionária não seja de novo logo reprimida após a vitória. Pelo contrário, têm de mantê-la viva por tanto tempo quanto possível. Longe de opor-se aos chamados excessos, aos exemplos de vingança popular sobre indivíduos odiados ou edifícios públicos aos quais só se ligam recordações odiosas, não só há que tolerar estes exemplos mas tomar em mão a sua própria direção. Durante a luta e depois da luta, os operários têm de apresentar em todas as oportunidades as suas reivindicações próprias a par das reivindicações dos democratas burgueses. Têm de exigir garantias para os operários assim que os burgueses democratas se prepararem para tomar em mãos o governo. Se necessário, têm de obter pela força essas garantias e, principalmente, procurar que os novos governantes se obriguem a todas as concessões e promessas possíveis — o meio mais seguro de os comprometer. Têm principalmente de refrear tanto quanto possível, de toda a maneira mediante a apreciação serena, com sangue-frio, das situações, e pela desconfiança não dissimulada para com o novo governo, a embriaguês da vitória e o entusiasmo pelo novo estado de coisas que surge após todo o combate de rua vitorioso. Ao lado dos novos governos oficiais, têm de constituir imediatamente governos operários revolucionários próprios, quer sob a forma de direções comunais, de conselhos comunais, quer através de clubes operários ou de comitês operários, de tal maneira que os governos democráticos burgueses não só percam imediatamente o suporte nos operários, mas se vejam desde logo vigiados e ameaçados por autoridades atrás das quais está toda a massa dos operários. Numa palavra: desde o primeiro momento da vitória, a desconfiança tem de dirigir-se não já contra o partido reacionário vencido, mas contra os até agora aliados [do proletariado], contra o partido que quer explorar sozinho a vitória comum. 2. Mas, para poderem opor-se enérgica e ameaçadoramente a este partido, cuja traição aos operários começará desde a primeira hora da vitória, têm os operários de estar armados e organizados. Tem de ser conseguido de imediato o armamento de todo o proletariado com espingardas, carabinas, canhões e munições; tem de ser contrariada a reanimação da velha milícia burguesa dirigida contra os operários. Onde não se consiga este último ponto, os operários têm de procurar organizar-se autonomamente como guarda proletária, com chefes eleitos e um estado-maior próprio, eleito, e pôr-se às ordens, não do poder do Estado mas dos conselhos comunais revolucionários formado pelos operários. Onde os operários estejam ocupados por conta do Estado, têm de conseguir o seu armamento e organização num corpo especial com chefes eleitos ou como parte da guarda proletária. Sob nenhum pretexto podem as armas e munições sair-lhes das mãos, qualquer tentativa de desarmamento tem de ser frustrada, se necessário, pela força. Liquidação da influência dos democratas burgueses sobre os operários; organização imediata, autônoma e armada dos operários; obtenção das condições mais dificultosas e compromissórias possível para a inevitável dominação temporária da democracia burguesa — tais são os pontos principais que o proletariado, e portanto a Liga, devem ter presentes durante e após a insurreição iminente. 3. Logo que os governos se tenham nalguma medida consolidado, começará de imediato a sua luta contra os operários. Para poder fazer frente, com força, aos pequeno-burgueses democratas, é necessário, antes de tudo, que os operários estejam autonomamente organizados e centralizados em clubes. Após a queda dos governos existentes, a Direção Central dirigir-se-á logo que possível para a Alemanha, convocará imediatamente um congresso e nele fará as propostas necessárias para a centralização dos clubes operários sob uma direção estabelecida no centro principal do movimento. A rápida organização, pelo menos de uma união provincial de clubes operários, é um dos pontos mais importantes para o fortalecimento e desenvolvimento do partido operário. A mais próxima consequência da queda dos governos existentes será a eleição de uma Representação nacional. O proletariado deve aqui cuidar de que: I. Uma quantidade de operários não seja excluída, por quaisquer chicanas de autoridades locais e de comissários do governo, seja a que pretexto for. II. Por toda a parte, ao lado dos candidatos democráticos burgueses, sejam propostos candidatos operários, na medida do possível de entre os membros da Liga e para cuja eleição se devem acionar todos os meios possíveis. Mesmo onde não existe esperança de sucesso, devem os operários apresentar os seus próprios candidatos, para manterem a sua democracia, para manterem a sua autonomia, contarem as suas forças, trazerem a público a sua posição revolucionária e os pontos de vista do partido. Não devem, neste processo, deixar-se subornar pelas frases dos democratas, como por exemplo que assim se divide o partido democrático e se dá à reação a possibilidade da vitória. Com todas essas frases, o que se visa é que o proletariado seja mistificado. Os progressos que o partido proletário tem de fazer, surgindo assim como força independente, são infinitamente mais importantes do que o prejuízo que poderia trazer a presença de alguns reacionários na Representação. Surja a democracia, desde o princípio, decidida e terrorista contra a reação, e a influência desta nas eleições será antecipadamente aniquilada. O primeiro ponto em que os democratas burgueses entrarão em conflito com os operários será o da supressão do feudalismo; tal como na primeira Revolução Francesa, os pequeno-burgueses entregarão aos camponeses as terras feudais como propriedade livre, quer dizer, pretendem deixar subsistir o proletariado rural e criar uma classe camponesa pequeno-burguesa, que atravessará o mesmo ciclo do empobrecimento e endividamento em que está agora o camponês francês. No interesse do proletariado rural e no seu próprio interesse, os operários têm de opor-se a este plano. Têm de exigir que a propriedade feudal confiscada fique propriedade do Estado e seja transformada em colônias operárias, que o proletariado rural associado explore com todas as vantagens da grande exploração agrícola; desde modo, o princípio da propriedade comum obtém logo uma base sólida, no meio das vacilantes relações de propriedade burguesas. Tal como os democratas com os camponeses, têm os operários de unir-se com o proletariado rural[N84]. Além disso, os democratas ou trabalharão diretamente para uma República federativa ou, pelo menos, se não puderem evitar uma República una e indivisível, procurarão paralisar o governo central mediante o máximo possível de autonomia e independência para as comunas(2) e províncias. Frente a este plano, os operários têm não só de tentar realizar a República alemã una e indivisível, mas também a mais decidida centralização, nela, do poder nas mãos do Estado. Eles não se devem deixar induzir em erro pelo palavreado sobre a liberdade das comunas, o autogoverno, etc. Num país como a Alemanha, onde estão ainda por remover tantos restos da Idade Média, onde está por quebrar tanto particularismo local e provincial, não se pode tolerar em circunstância alguma que cada aldeia, cada cidade, cada província ponha um novo obstáculo à atividade revolucionária, a qual só do centro pode emanar em toda a sua força. — Não se pode tolerar que se renove o estado de coisas atual, em que os alemães, por um mesmo passo em frente, são obrigados a bater-se separadamente em cada cidade, em cada província. Menos do que tudo pode tolerar-se que, através de uma organização comunal pretensamente livre, se perpetue uma forma de propriedade —, que ainda se situa aquém da propriedade privada moderna e por toda a parte se dissolve necessariamente nesta — a propriedade comunal, e as desavenças dela decorrentes entre comunas pobres e ricas, assim como o direito de cidadania comunal, subsistente, com as suas chicanas contra os operários, ao lado do direito de cidadania estatal. Tal como na França em 1793, o estabelecimento da centralização mais rigorosa é hoje, na Alemanha, a tarefa do partido realmente revolucionário(3). Vimos como os democratas vão chegar à dominação com o próximo movimento e como vão ser forçados a propor medidas mais ou menos socialistas. Perguntar-se-á que medidas devem os operários contrapropor. Os operários não podem, naturalmente, propor quaisquer medidas diretamente comunistas no começo do movimento. Mas podem: 1. Obrigar os democratas a intervir em tantos lados quanto possível da organização social até hoje existente, a perturbar o curso regular desta, a comprometerem-se a concentrar nas mãos do Estado o mais possível de forças produtivas, de meios de transporte, de fábricas, de caminhos-de-ferro, etc. 2. Têm de levar ao extremo as propostas dos democratas, os quais não se comportarão em todo o caso como revolucionários mas como simples reformistas, e transformá-las em ataques diretos contra a propriedade privada; por exemplo, se os pequeno-burgueses propuserem comprar os caminhos-de-ferro e as fábricas, têm os operários de exigir que esses caminhos-de-ferro e fábricas, como propriedade dos reacionários, sejam confiscados simplesmente e sem indenização pelo Estado. Se os democratas propuserem o imposto proporcional, os operários exigirão o progressivo; se os próprios democratas avançarem a proposta de um [imposto] progressivo moderado, os operários insistirão num imposto cujas taxas subam tão depressa que o grande capital seja com isso arruinado; se os democratas exigirem a regularização da divida pública, os operários exigirão a bancarrota do Estado. As reivindicações dos operários terão, pois, de se orientar por toda a parte segundo as concessões e medidas dos democratas. Se os operários alemães não podem chegar à dominação e realização dos seus interesses de classe sem passar por todo um desenvolvimento revolucionário prolongado, pelo menos desta vez têm eles a certeza de que o primeiro ato deste drama revolucionário iminente coincide com a vitória direta da sua própria classe em França e é consideravelmente acelerado por aquela. Mas têm de ser eles próprios a fazer o máximo pela sua vitória final, esclarecendo-se sobre os seus interesses de classe, tomando quanto antes a sua posição de partido autônoma, não se deixando um só instante induzir em erro pelas frases hipócritas dos pequeno-burgueses democratas quanto à organização independente do partido do proletariado. O seu grito de batalha tem de ser: a revolução em permanência.


Londres, Março de 1850



 

Notas de rodapé: (1) A edição de 1885 indica, por engano, a data de 19 de Julho. (2) O termo “comuna” (Gemeinde) é aqui empregue em sentido amplo. Designa também os municípios. (3) Há que lembrar hoje que esta passagem assenta num mal-entendido. Considerava-se então como certo — graças aos falsificadores bonapartistas e liberais da história — que a máquina administrativa centralizada francesa fora introduzida pela grande Revolução e manejada, designadamente pela ConvençãoN85, como arma indispensável e decisiva para a vitória sobre a reação monárquica e federalista e sobre o inimigo externo. Mas é atualmente um facto conhecido que durante toda a Revolução, até ao 18 de BrumárioN86, o conjunto da administração dos departamentos, distritos e comunas consistia em serviços públicos eleitos pelos próprios administrados e agia com inteira liberdade, nos limites das leis gerais do Estado; que este autogoverno provincial e local, semelhante ao americano, se tornou precisamente a mais poderosa alavanca da Revolução, e isso até ao ponto em que Napoleão, imediatamente após o seu golpe de Estado do 18 de Brumário, se apressou em substitui-la pela administração dos prefeitos ainda hoje existente, a qual, portanto, foi desde o começo um puro instrumento da reação. Mas assim como o autogoverno local e provincial não contradiz a centralização política nacional, tão-pouco está ele necessariamente ligado a esse estreito egoísmo cantonal ou comunal que tanto nos choca na Suíça e que em 1849 todos os republicanos federalistas da Alemanha do sul queriam como regra na Alemanha. (Nota de Engels à edição de 1885.) Notas de fim de Tomo: [N74] Trata-se das insurreições das massas populares na Alemanha em Maio-Julho de 1849 em defesa da Constituição imperial (adotada pela Assembleia Nacional de Frankfurt em 28 de Março de 1849, mas rejeitada por uma série de Estados alemães). Estas insurreições tinham um caráter espontâneo e disperso e foram esmagadas em meados de Julho de 1849. – 142, 179. [N79] A Mensagem da Direção Central à Liga dos Comunistas foi escrita por Marx e Engels em fins de Março de 1850, quando tinham ainda esperança num novo ascenso da revolução. Ao desenvolver a teoria e a tática do proletariado na revolução iminente, Marx e Engels sublinhavam em particular na Mensagem a necessidade da criação de um partido proletário independente e da separação dos democratas pequeno-burgueses. A ideia dirigente fundamental formulada pelos fundadores do marxismo na Mensagem é a ideia da “revolução em permanência”, que deve conduzir à eliminação da propriedade privada e das classes e à criação de uma nova sociedade. A Mensagem da Direção Central foi difundida secretamente entre os membros da Liga dos Comunistas. Em 1851, este documento, encontrado pela polícia prussiana nas mãos de vários membros da Liga dos Comunistas que foram presos, foi publicado nos jornais burgueses alemães e num livro de dois funcionários da polícia: Wermuth e Stieber. – 178. [N80]Santa Aliança: agrupamento reacionário dos monarcas europeus, fundada em 1815 pela Rússia tsarista, pela Áustria e pela Prússia para esmagar os movimentos revolucionários de alguns países e manter neles regimes monarco-feudais. – 180, 213, 322. [N81] Trata-se da capital da França, Paris, considerada desde os tempos da revolução burguesa francesa dos fins do século XVIII o foco da revolução. – 180. [N82] Esquerda da Assembleia de Frankfurt: ala esquerda pequeno-burguesa da Assembleia Nacional, convocada depois da revolução de Março na Alemanha, que começou as suas reuniões em 18 de Maio de 1848 em Frankfurt-am-Main. A principal tarefa da Assembleia consistia em pôr fim ao fracionamento político da Alemanha e elaborar uma constituição para toda a Alemanha. No entanto, devido à cobardia e às vacilações da sua maioria liberal, à indecisão e à inconsequência da ala esquerda, a Assembleia receou tomar nas suas mãos o poder supremo e não foi capaz de ocupar uma posição decidida sobre as questões fundamentais da revolução alemã de 1848-1849. A Assembleia foi obrigada a transferir-se para Stuttgart. Em 18 de Junho de 1849 foi dissolvida pelas tropas. – 180, 373. [N83] Neue Oder-Zeitung (Nova Gazeta do Oder): jornal democrático-burguês alemão que, com este título, se publicou em Breslau (Wroclaw) entre 1849 e 1855. Em 1855 Marx foi correspondente deste jornal em Londres. – 183. [N84] As opiniões aqui expostas sobre a questão agrária estão estreitamente ligadas à apreciação geral formulada por Marx e Engels nos anos 40 e 50 sobre as perspectivas de desenvolvimento da revolução. Os fundadores do marxismo consideravam então, como mostrou Lênin, que o capitalismo já estava caduco e o socialismo já se aproximava. A partir daqui, Marx e Engels manifestam-se na Mensagem contra a entrega aos camponeses da terra confiscada aos latifundiários, pela sua transformação em propriedade do Estado e a entrega a disposição de colônias operárias do proletariado agrícola associado. Apoiando-se na experiência da Revolução Socialista de Outubro na Rússia e na experiência do movimento revolucionário noutros países, Lênin desenvolveu as concepções marxistas sobre a questão agrária. Reconhecendo a conveniência da conservação preferencial das grandes empresas agrícolas depois da revolução proletária nos países capitalistas avançados, escreveu: “Seria no entanto o maior erro exagerar ou estereotipar esta norma e não admitir nunca a entrega gratuita de uma parte das terras dos expropriadores expropriados ao pequeno campesinato e por vezes até ao campesinato médio da vizinhança.” (Ver Obras Escolhidas de V. I. Lênin em três tomos, Edições “Avante!” – Edições Progresso, Lisboa-Moscovo, 1979, t. 3, p. 362). – 186.

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