Luiz Carlos Prestes
1981
É com justo orgulho que os comunistas, seus amigos e simpatizantes comemoram mais um aniversário de fundação, em nossa terra, do Partido Comunista.
A criação do PC no Brasil — fundado à luz e sob a influência do grande acontecimento histórico que foi a realização da revolução pelo proletariado da Rússia, dirigido pelo Partido Bolchevique, que tinha à sua frente o gênio de Lênin — foi, no fundamental, a consequência necessária do amadurecimento da classe operária que já sentia a necessidade de uma organização política própria, capaz de dirigir as lutas por suas reivindicações de classe e de lutar conseqúentemeníe por um novo regime político, de realizar transformações sociais profundas que libertem os trabalhadores da exploração de que são vítimas.
Recordamos nesta data o pequeno grupo, constituído, na sua quase totalidade, por operários e dirigentes sindicais (de origem anarco-sindicalista), tendo à frente o intelectual de destaque que foi Astrogildo Pereira, grupo que soube vencer todas as dificuldades e enfrentar mil incompreensões para, voltado para o futuro, fundar em nosso País o primeiro partido político dos oprimidos. Apesar de todas as perseguições, das repetidas vezes que foi considerado totalmente aniquilado pelas forças reacionárias, este partido manteve-se vivo e atuante, sempre ressurgindo com novo e maior vigor, de forma a ser hoje a expressão inédita em nosso País do único partido político que já entra no sexagésimo ano de vida. E isto num país como o nosso, cujo atraso cultural e político está concretamente expresso na falta de organizações políticas estáveis, já que as classes dominantes, para enganar a população, diante de cada crise e da consequente desmoralização de seus partidos políticos, tratam de modificar, na defesa de seus interesses, o nome dos partidos políticos, de reduzi-los, por exemplo, a simples ajuntamentos políticos, como a ARENA e o MDB, para, em seguida, como aconteceu recentemente, em nome de uma chamada reestruturação partidária, dividir a "oposição" de maneira a poder manter, através do voto, o sistema de dominação dos monopólios nacionais e estrangeiros.
Nosso Partido não pode, na verdade, ser eliminado, nem desaparecer, porque é a expressão política da classe mais avançada da sociedade capitalista, aquela que, inexoravelmente, cresce com o próprio desenvolvimento do capitalismo.
Desde sua fundação, nas dezenas de anos decorridos, teve sempre o mérito de levantar e lutar com abnegação pelas principais causas justas dos trabalhadores e das demais camadas sociais oprimidas ou exploradas da população brasileira. Lutou sempre pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores, pela limitação da jornada de trabalho, por uma legislação trabalhista mais justa, pela fixação pelo Estado de um salário mínimo, bem como pelo 13º salário e demais reivindicações dos trabalhadores. Foram os comunistas os primeiros a levantar o problema da reforma agrária, lutar pela eliminação do latifúndio, contra as formas pré-capitalistas de exploração dos trabalhadores do campo e pela entrega da terra aos que nela efetivamente trabalham. Coube, também, aos comunistas a iniciativa, em nossa terra, de desmascarar a opressão imperialista e dar passos importantes no caminho da luta contra a exploração do nosso povo pelo capital estrangeiro. Mesmo nas condições da mais brutal repressão policial, exerceram os comunistas papel de destaque na luta em defesa das riquezas naturais da Nação, na luta contra a entrega dos minérios e, em particular, do petróleo aos trustes imperialistas, participando ativamente da histórica campanha pelo monopólio estatal da exploração do petróleo. Nosso Partido, que mobilizou massas em defesa da União Soviética, traiçoeiramente atacada pelo banditismo hitleriano, sendo numerosos os seus membros que participaram do contingente militar que lutou na Itália, após o fim da Segunda Guerra Mundial exigiu que os soldados norte-americanos abandonassem o solo de nossa Pátria e fossem eliminadas as bases militares íanques que durante a guerra foram instaladas em nosso País. Participando sempre de todas as lutas pela redemocratização do País, além de utilizar o voto, tanto na legalidade como nos períodos de maior repressão, os comunistas se fizeram representar na Constituinte de 1946, na qual, apesar do número reduzido de representantes que constituíam a bancada comunista, tiveram papel destacado no esforço para que fossem registrados na Constituição de 1946 os principais direitos democráticos, inclusive o direito de greve para os operários, de tal forma que, apesar das características fundamentais reacionárias da referida Constituição, é ela, no terreno dos direitos civis, a mais democrática que já teve nosso povo. Quando pesou sobre nosso povo a terrível ameaça de fascistização do País, foram os comunistas que tiveram a iniciativa de formar a ampla Aliança Nacional Libertadora e de empunhar armas em defesa da democracia. Apesar dos erros que foram cometidos e que ainda não foram de maneira suficiente analisados, o movimento armado de 1935 representa na vida de nosso Partido o ponto mais elevado de sua atividade política — movimento "Por Pão, Terra e Liberdade" — movimento que por ser patriótico e honesto, não podia, como ensina Lênin, deixar de produzir frutos e de, apesar de derrotado, não ter permitido a implantação de um regime fascista em nosso País.
Com o golpe militar reacionário de 1964, mais uma vez, os comunistas, apesar dos erros cometidos e que contribuíram para a vitória fácil da contra-revolução, continuaram resistindo e lutando pelas liberdades democráticas e souberam travar uma justa luta contra as tendências equivocadas daqueles que se lançaram, inoportunamente, à luta armada. Tanto no período anterior ao golpe, como depois dele, foram numerosos os comunistas que sacrificaram suas vidas na luta pelos interesses da classe operária e do povo. Somente no governo do sr. Dutra, 55 companheiros tombaram sob as balas assassinas da reação e, após 1964, durante o governo do sr, Geisel, morre na tortura o heróico dirigente da Juventude Comunista — José Montenegro de Lima — e são sequestrados e continuam até hoje desaparecidos os membros do CC:
David Capistrano da Costa, Elson Costa, João Massena, Luís Maranhão Filho, Valter Ribeiro, Hiran Pereira, Itair Veloso, Jaime Miranda, Orlando Bonfim e Nestor Veras.
Citando estes nomes que refletem as qualidades máximas do verdadeiro comunista, a honra e a dignidade do soldado do proletariado, queremos aqui homenagear a todos os companheiros que nestes 59 anos de luta, sofreram nas prisões da reação e chegaram muitos deles até ao sacrifício da própria vida pelos interesses dos trabalhadores, por um futuro de felicidade para o povo, da liberdade, independência e progresso para a Pátria. Seu sacrifício não foi em vão e a memória deles estará sempre presente na luta dos comunistas pelo socialismo e pela instauração vitoriosa em nossa Terra da sociedade comunista.
Mas a maior homenagem que a todos podemos prestar consiste, agora, em sermos honestos conosco mesmos, em sermos capazes de reconhecer que não tivemos a capacidade de fazer do PCB um partido efetivamente revolucionário, de transformá-lo na vanguarda da classe operária, na organização política capaz de conduzir os trabalhadores à revolução socialista. No fundamental, o principal erro que cometemos consiste na incapacidade de nossa parte de articular corretamente todas as lutas a que anteriormente nos referimos com uma estratégia efetivamente revolucionária, com uma estratégia que, partindo de uma análise correta da realidade brasileira, apontasse o caminho para o socialismo nas condições de nosso País.
Na verdade, devemos reconhecer que não conhecíamos e fomos incapazes de pôr em prática a grande lição de Lênin:
"É necessário dizer as coisas como elas são: o Programa do Partido deve conter o que é absolutamente indiscutível, o que foi efetivamente comprovado e só então será um programa marxista."
Onde estão, porém, as raízes do erro cometido? Não podemos deixar de reconhecer que elas estão no nosso próprio atraso cultural, como parcela que padece do efetivo atraso cultural da sociedade brasileira, da consequente tendência a copiar ou transferir mecanicamente soluções adotadas para organizações revolucionárias de outros países para o nosso — dogmatismo, portanto —, além de nosso próprio desconhecimento da realidade brasileira, a par de insuficiente conhecimento da teoria marxista-leninista.
Olvidando que nosso país conquistara a independência política no princípio do século XIX e que no fim do século surgira a burguesia industrial, já na época do imperialismo e, por isso, já nascida como uma burguesia dependente e associada do imperialismo, negávamos já em pleno século XX que a formação econômico-social dominante no Brasil fosse a capitalista, embora desde o início marcada como dependente, mas de qualquer forma capitalista.
Víamos o Brasil como um país semicolonial e chegamos a afirmar que dependia da eliminação da dominação imperialista e da liquidação do latifúndio o desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Esta falsa apreciação da realidade nos levou, ainda em 1945, a definir o caráter da revolução brasileira como democrático-burguesa, transpondo ao nosso Partido aquilo que Lênin, com acerto, afirmava para as condições da Rússia czarista em 1905.
Negando o caráter capitalista da economia brasileira, aplicávamos mecanicamente e esquematicamente em nosso País as Teses para os países coloniais e semicoloniais aprovadas pelo VI Congresso da Internacional Comunista. Isto está expresso com bastante clareza no Manifesto de 5 de julho de 1935, onde, estranhamente, a uma estratégia de direita, porque negava que já se realizara no País a revolução burguesa, adotávamos, simultaneamente, uma tática "esquerdista". Mas é nos documentos da Conferência da Mantiqueira, de 1943, e nos elaborados a partir de 1945, que se torna mais claro ainda o caráter oportunista de direita da estratégia que adotávamos.
"Insistimos em negar o caráter capitalista da formação social econômica dominante no país. Negando-se à autocrítica dessa estratégia oportunista de direita... o Comitê Central revelou falta de honestidade e incapacidade moral para dirigir o Partido."
Desconhecendo que em qualquer circunstância, numa sociedade capitalista, a contradição fundamental é a existente entre o proletariado e a burguesia, a pretexto da luta contra o nazismo, defendíamos a unidade que "pode e deve ser alcançada em torno do governo constituído, o que aí temos", quer dizer, o Estado Novo getulista. Nos documentos da direção do Partido, já por mim assinados, após a libertação em 1945 dos presos políticos, toda a concepção da unidade nacional que pregávamos estava inteiramente ligada à visão estratégica da luta pelo desenvolvimento do capitalismo na democracia que seria conquistada e assegurada com a vitória mundial sobre o nazifascismo. Insistimos, portanto, em negar o caráter capitalista da formação econômico-social dominante em nosso País, para nós ainda considerado como semicolonial e semifeudal. Apresentávamos, por isso, como contradição fundamental na sociedade brasileira, a existente entre a Nação e o imperialismo. Erro de caráter oportunista, repetido até os documentos do VI Congresso de 1967.
Negando-se à autocrítica dessa estratégia oportunista de direita, o CC não quis compreender que estava superada a Resolução Política do VI Congresso. A proposta a este respeito, feita na reunião de maio de 1979, foi rejeitada com apenas dois votos a favor — o meu e o de outro camarada. Insistia o CC em que a contradição fundamental na sociedade brasileira fosse, ainda, a existente entre a Nação e o imperialismo. Não tomava, nem ao menos, conhecimento da vitória que tiveram as delegações dos Partidos Comunistas e Operários da América Latina, inclusive com a participação do nosso, com a aprovação da Resolução dos Partidos Comunistas e Operários — na Conferência Internacional de 1969 — em que já então separamos a análise da situação concreta na maioria de nossos países daquela existente nos países coloniais e semicoloniais da Ásia e África. Reconhece-se naquela Resolução:
"Na América Latina a maioria dos países conquistou a independência estatal nos princípios do século passado; tiveram em conjunto um relativo desenvolvimento capitalista; formou-se, cresce e se forja na luta um numeroso proletariado, tanto na cidade como no campo..."
Negava-se também o CC a tomar conhecimento da Resolução da Conferência dos Partidos Comunistas da América Latina e do Caribe, realizada em 1975 em Havana, que já reconhecia que:
"...O Socialismo é o único sistema capaz de garantir o desenvolvimento verdadeiro da América Latina com o ritmo acelerado que exigem nossos povos..."
Insistindo na estratégia errada, oportunista de direita, que já nos levou, durante tantos anos, a erros na política cotidiana, assim como a profundas deformações na organização do Partido, o CC revelou sua falta de honestidade e sua incapacidade moral para dirigir o Partido.
Tanto mais que é impossível construir um partido efetivamente revolucionário, capaz de enraizar-se na classe operária, se se baseia numa falsa concepção da revolução. Não estará nessa orientação estratégica direítista o completo insucesso na realização do que chegamos a chamar de "Desafio Histórico" na Resolução do VI Congresso? E não revela toda a história do movimento comunista que a falta de combate, de esforços para combater essa estratégia de direita, leva inevitavelmente à traição à classe operária, aos entendimentos espúrios com a reação e seus governantes e também ao anti-sovietismo?
Enfim, as deformações em nosso Partido chegaram a tal ponto que me senti no dever de escrever a "Carta aos Comunistas". Nela chamo a atenção para que saibamos elaborar uma nova estratégia, efetivamente revolucionária, que aponte para a construção do bloco de forças antimonopolistas, capaz de conquistar, sob a direção da classe operária, o poder político — antimonopolista, antiimperialista e antilatifundiário — que abra caminho para o socialismo. Para alcançar essa meta revolucionária, necessitamos construir um novo Partido, efetivamente revolucionário, o que só se alcançará através do trabalho de massas e aplicando uma política correta de alianças, que, através da conquista do mais amplo democratismo, da conquista de uma democracia para as massas, que crie para a classe operária as condições concretas para organizar o bloco de forças antimonopolistas, indispensável para liquidar o poder dos monopólios e de, portanto, abrir caminho para o Socialismo.
Ao entrarmos no sexagésimo ano de nosso Partido, é esta a tarefa principal que enfrentamos, tarefa difícil, mas que será vitoriosa na medida em que os comunistas forem capazes de reconhecer as raízes dos erros que cometeram, que livres da cegueira oportunista dos que defendem postos e só sabem ser comunistas na qualidade de dirigentes, sejam capazes de realizar uma verdadeira autocrítica — única arma de que dispomos para transformar os erros cometidos e as sérias deformações de que padece nossa organização, nos ensinamentos que nos permitirão construir o Partido político de que necessita a classe operária e nosso povo para conquistar a nova sociedade, livre da exploração do homem pelo homem e chegarmos a construir em nosso País a Sociedade Comunista.
Fonte: marxists.org
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